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Política
17/07/2011 14:10:07

O último discurso de Divaldo Suruagy

O último discurso de Divaldo Suruagy
Ex-Governador Divaldo Suruagy

Com alagoas24horas // Fonte reporteralagoas - odilon rios

 

Quatorze anos depois do afastamento- que acabou em renúncia- do governador Divaldo Suruagy do Palácio República dos Palmares- o reporteralagoas.com.br revira o baú da história e recupera o discurso de despedida do homem eleito três vezes governador de Alagoas. Em 7 de maio de 2002, Suruagy deixava a vida pública com um discurso na Câmara dos Deputados- ele assumiu o cargo depois do assassinato de Ceci Cunha e da prisão do primeiro suplente, Talvane Albuquerque (Suruagy era o terceiro suplente).

Suruagy entrou na história mais por sua queda- em 17 de julho de 1997- que pelo seu passado: cortejado pelos militares na ditadura (sempre chamou o movimento de "revolução"); é o segundo homem que mais tempo ficou na vida pública no Estado: 40 anos. O recorde é de Visconde de Sinimbú- passou por todos os cargos no Império. Menos, é claro, o trono.

Getúlio Vargas entrou para os livros de história por um tiro no peito e sua carta testamento- a que levantou a fúria popular contra seu maior inimigo em vida, Carlos Lacerda.

Divaldo Suruagy virou história pela crise financeira alagoana; o golpe das Letras, que enriqueceu servidores públicos; e sua queda, como ele mesmo detalhe neste discurso, feito na Câmara dos Deputados. Acompanhe:

O SR. DIVALDO SURUAGY (PST-AL. Pronuncia o seguinte discurso.) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, após 40 anos de vida pública, ocupei as mais destacadas posições e exerci os cargos de maior responsabilidade no meu Estado.

Imagino haver concretizado tudo o quanto me foi possível em favor de Alagoas.

Politicamente realizado, consciente de que sábio é quem reconhece limites e identifica a hora exata de avançar, parar ou retroceder, não possuindo a veleidade dos vaidosos que, em qualquer setor da atividade humana, imaginam-se insubstituíveis, considero chegado o momento de encerrar minhas atividades políticas.

Quando, em 1986, fui eleito Senador da República, já pretendia fazer isso. Em meu discurso de estréia, proferido na Casa Alta do Legislativo nacional e registrado nos Anais do Congresso, assim me dirigi a meus pares:

A eleição concomitante para o Senado da República e a Assembléia Nacional Constituinte passa a ter um significado de coroamento de vida pública.

Longa foi a caminhada de diarista da Turma Topográfica da Prefeitura de Maceió a Senador. Sem pertencer a nenhuma das famílias tradicionais de Alagoas, os chamados donos da terra, fui abrindo o meu espaço degrau por degrau.

Considero, entretanto, o início de minha carreira política a data de dois de janeiro de 1962, quando assumi a Secretaria-Geral da municipalidade da capital alagoana.

Ninguém exerce uma liderança durante 25 anos sem provocar muita inveja e sem contrariar muitos interesses.

Fui alvo de calúnias e de infâmias. Mentes doentias, que sempre desejaram conquistar o Poder para se locupletarem, são incapazes de conceber que alguém use a força de Prefeito ou de Governador de Estado apenas para fazer o bem e para construir obras indispensáveis ao desenvolvimento e ao progresso de um povo.

Encontrei muitos ingratos que tiveram suas vidas e a de seus familiares totalmente modificadas para melhor graças às minhas decisões e que passaram, no seu íntimo, a me odiar.

Alguns porque são insaciáveis. Por mais que se faça, eles acham pouco. Outros porque o favor recebido revela que precisaram, e o fato de haverem precisado magoa seus egos e extravasa suas frustrações e complexos.

É gratificante para minha alma de homem público saber que, para cada um desses recalcados, encontrei milhares de pessoas gratas, leais, amigas.

Algumas delas chegaram ao exagero de possuírem verdadeira veneração por mim, imaginando que possuo apenas virtudes, quando, na verdade, como todo ser humano, encontro na minha personalidade um somatório de aspectos positivos e negativos."

Dentre os positivos, destaco uma obstinação muito grande em perseguir um objetivo definido; jamais esquecer gentilezas recebidas; coerência de princípio e amizades; esforço em dizer a verdade, embora não diga todas, porque algumas delas magoam; jamais fugir da luta, quando provocado; preocupação em tratar a todos da maneira que desejo que todos me tratem e não permitir que o poder mudasse os meus hábitos e a minha maneira de ser.

Pelo contrário, sempre me ensejou muita humildade pelas limitações nele implícitas.

Amigos íntimos colocam entre os meus inúmeros defeitos um exagerado espírito conciliador, benevolência com os oportunistas, quando pedem a minha proteção, e o costume de assumir os erros daqueles que estão ao meu lado.

Sinto-me, no entanto, plenamente realizado na política alagoana. Nunca se fez tanto por Alagoas quanto nos nossos três períodos de governo. Bati vários recordes em termos de construção de salas de aula, de pavimentação de estradas, de realização de concurso público, de empregar pessoas, de construir casas populares e postos de saúde, de legislação de proteção ambiental, de aumentos salariais do funcionalismo, de implantar e consolidar os pólos cloroquímico e turístico.

E tudo isso sem atrasar, nos dois primeiros governos, um dia sequer o pagamento de pessoal.

Orgulho-me muito de não apenas haver sido o político que mais tempo governou o Estado, mas, também, sem jamais haver recusado diálogo com nenhuma liderança classista.

Estou plenamente convencido de que o diálogo entre contrários é fundamental na difícil arte de governar e de que, pelo menos num particular, qualquer ser humano é superior a mim.

Secretário de Estado, Prefeito eleito de Maceió, Deputado Estadual, Presidente da Assembléia Legislativa, Governador em três mandatos, Deputado Federal mais votado do Brasil, em termos proporcionais e em termos absolutos de Alagoas, Senador da República, retornando à Câmara encerro o meu ciclo político como Deputado Federal.

Concluído o mandato de Deputado, afasto-me da política alagoana destituído de ódios e de frustrações.

Pelo contrário, o sentimento que me domina é o de gratidão. Grato a Deus por tudo que me concedeu, aos meus pais, pelos exemplos constantes de dignidade e honradez que sempre me ofereceram, à maioria do povo alagoano e aos inúmeros amigos que me permitiram tantas vitórias. Considero a gratidão a mais nobre das virtudes e a política a mais apaixonante das atividades humanas.

Oito anos depois, a insistência dos amigos e correligionários me levaria a mudar de opinião. Senti que havia muito, ainda, a ser feito e a consciência cívica me fez capitular. A minha pretensão era de disputar a reeleição ao Senado da República. Havendo governado Alagoas, em duas oportunidades, conhecendo o quadro caótico da máquina administrativa estadual, vítima de péssimos gerenciamentos, não podia possuir nenhuma atração pela idéia de voltar a conduzir o destino da terra alagoana. Recebo, entretanto, constantes solicitações de milhares de pessoas oriundas dos mais diversos segmentos da sociedade, para retornar ao Governo.

Muitas delas, em tom dramático, revelando a angústia popular. Cheguei à conclusão de que não poderia faltar a tanto chamamento. O ganhar ou perder passou a ser algo secundário. O importante era lutar.

Afirmei, em todas entrevistas concedidas à imprensa, que o difícil não era ganhar a eleição, e, sim, governar o Estado. O que parecia presunção, tornou-se realidade. Conquistamos mais de 80% dos votos válidos e ganhamos em todas as urnas eleitorais. O resultado foi recorde nacional.

É gratificante à alma do político ser depositário da esperança da esmagadora maioria do povo que ele, por duas vezes, governou. Mas é bom confessar ser também bastante preocupante.

As informações que possuía da desorganização dos órgãos da administração direta e indireta da máquina estadual, lamentavelmente, confirmaram meus prognósticos do quadro das dificuldades que encontraria.

Meu terceiro período governamental poderia ser sintetizado como o calvário de um executivo que, até então, fora um símbolo de realizações. Ressalto que tudo o que fiz, em dois anos e meio de governo, foi tentar desarmar uma bomba-relógio. Logo que tive acesso aos números, mesmo antes de tomar posse, fiquei estarrecido. E tive a certeza de que nenhum Governador, pelas vias normais, teria condições de corrigir tantos desacertos. Eu sabia que o Estado se encontrava em sérias dificuldades. Só que a realidade era mais sombria do que os mais sombrios prognósticos.

Adotei todas as medidas possíveis para equilibrar o quadro financeiro do Estado, tais como a redução drástica das despesas, demissão de servidores e redução de duodécimos, jamais poderiam ter sido implementadas por vias normais.

Não temi o julgamento popular. Nem meus inimigos acreditavam nas acusações que então faziam, porque até eles sabiam que os homens não mudam. O meu passado sempre respondeu pelo meu presente. A ocasião talvez faça a corrupção, mas os corruptos já nascem feitos.

Vendo, pela televisão, policiais insurretos atirando em volta da Assembléia Legislativa e ouvindo, pelo telefone, o Presidente da Casa dizer que poderia haver derramamento de sangue, optei pela paz da família alagoana. Em política, muitas vezes, a vitória é feita de sacrifícios.

A frustração por não haver conseguido superar a crise, apesar de haver adotado todos os procedimentos que hoje se afiguram absolutamente pertinentes e corretos, conforme comprovado com validade das Letras do Tesouro, então emitidas, e recentemente reconhecidas como lícitas, pelo Congresso Nacional, quando autorizou a rolagem da dívida de Alagoas, viabilizando, assim, a retomada do crescimento do Estado, levou-me, com o apoio de amigos e familiares, à conclusão de que seria injusto, para com a história de minha vida, permitir que aquele circunstancial e involuntário afastamento do Governo fosse registrado para a posteridade como o último ato de minha atividade política.

Até então, minha trajetória havia intercalado mandatos executivos com outros legislativos. Colhia, no segundo, os louros dos benefícios comunitários e das obras realizadas no primeiro.

Ao decidir, naquele instante, pleitear uma vaga à Câmara Federal, tinha plena consciência das limitações que possuía. As campanhas haviam se tornado altamente onerosas, e eu não dispunha de recursos para bancá-la. As calúnias e meias verdades envolviam meu nome e eu não contava com órgãos de comunicação para esclarecer o eleitorado. Mesmo assim, fui à luta.

Obtive uma modesta terceira suplência dentro de minha coligação. As chances de assumir eram remotíssimas.

Foi então que o imponderável surgiu, mais uma vez, no meu itinerário, utilizando como patrimônio apenas idealismo, honestidade e vontade de servir.

Emocionado, sobretudo pelos fatos, alguns inesquecivelmente trágicos, que me possibilitaram novamente assumir, como titular, uma cadeira no Parlamento brasileiro, considerei o fato um aviso do destino. O mandato me permitiria despedir-me da vida pública de forma digna, servindo a meu povo, como sempre o fizera.

Aproxima-se uma nova eleição. Sem recursos para bancar as despesas de campanha e olhando o meu passado, considero este, definitivamente, o momento certo para afastar-me das lides políticas. Faço-o com a cabeça erguida, olhando nos olhos de cada alagoano. Como sempre disse, considero a política um canal propício para construir, engrandecer, melhorar a qualidade de vida das comunidades. Levo comigo a tranqüilidade dos que a praticaram com dignidade e lego a meus filhos, netos e descendentes a convicção indesmentível, porque comprovável, de que, em tempo algum, na história de nosso Estado, ninguém nunca fez tanto por Alagoas.

Para concluir, gostaria que V.Exa., Sr. Presidente, autorizasse a inclusão deste pronunciamento nos Anais da Casa e sua publicação nos meios de comunicação.