“Jamais pensei que um dia viveria e trabalharia em uma tenda, privado até de necessidades básicas, como água e banheiro. É como morar em uma estufa no verão e em uma geladeira no inverno”, relata o jornalista Abdullah Miqdad.
Na Faixa de Gaza, profissionais da imprensa se abrigam em barracas improvisadas próximas a hospitais. Esses locais, além de oferecerem alguma proteção, ainda contam com geradores que fornecem energia mínima para carregar celulares e equipamentos, já que a eletricidade foi cortada em todo o território.
Veículos de comunicação internacionais dependem de repórteres locais para cobrir o conflito, uma vez que Israel não autoriza, salvo em raras exceções, a entrada de jornalistas estrangeiros sem acompanhamento de tropas. Mesmo com o risco de se deslocar por Gaza, os repórteres continuam registrando os desdobramentos da guerra, ainda que muitas vezes só consigam enviar material depois de voltar às tendas.
Segundo Haneen Hamdouna, jornalista do Donia Al-Watan, estar perto de hospitais acelera a cobertura, já que facilita o acesso a feridos, funerais e entrevistas, algo quase impossível de conseguir em deslocamentos. Mas a proximidade não garante segurança. O direito internacional prevê proteção aos jornalistas, mas, na prática, isso não ocorre.
De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), entre outubro de 2023 e agosto de 2025, ao menos 197 profissionais da mídia foram mortos, sendo 189 apenas em Gaza. O número ultrapassa o total mundial dos três anos anteriores. Para Ahed Farwana, secretário do Sindicato dos Jornalistas Palestinos, há a sensação constante de serem alvos das forças israelenses, o que mantém os repórteres em estado permanente de medo.
O trabalho ininterrupto, somado às perdas pessoais e às condições extremas, abriu espaço para que jovens sem experiência passassem a atuar como repórteres e fotógrafos. Muitos jornalistas têm apenas contratos temporários e não contam com garantias de segurança ou estabilidade. “Todo jornalista tem o dever de informar e o direito à proteção internacional. Mas o exército israelense não trata os profissionais palestinos dessa forma”, afirma Ghada Al-Kurd, correspondente da revista alemã Der Spiegel.
O duplo ataque israelense ao Hospital Nasser, em Khan Younis, no dia 25 de agosto, matou cerca de 20 pessoas, incluindo cinco jornalistas que trabalhavam para a imprensa internacional. Israel admitiu a autoria, mas classificou o caso como “um trágico acidente”. Já o CPJ acusa o país de seguir um padrão: após a morte de um repórter, alegar que ele tinha vínculos terroristas sem apresentar provas consistentes.
A rotina em Gaza é marcada pelo medo e pela incerteza. “Quando você trabalha em uma tenda, nunca sabe o que pode acontecer. Preciso estar atento o tempo todo e pensar no que faria se o lugar fosse atingido”, relata Miqdad, da Alaraby TV.
A fome também se tornou uma realidade. A ONU confirmou que a Cidade de Gaza entrou na fase mais grave da classificação de insegurança alimentar, com mais de meio milhão de pessoas em risco de fome extrema. Muitos jornalistas mal conseguem se alimentar. “Às vezes, um café feito com grão-de-bico ou um chá sem açúcar é tudo o que temos em um dia inteiro de trabalho”, conta o independente Ahmed Jalal.
Mesmo deslocado diversas vezes com a família, Jalal nunca parou de trabalhar. Seu filho precisa de cirurgia, mas não há condições para atendimento médico. “Meu coração se parte com a dor de noticiar a morte de colegas. Penso que posso ser o próximo, mas escondo o medo diante da câmera e continuo”, desabafa.
O peso emocional também é devastador. “Perdemos a capacidade de expressar nossos sentimentos. Vivemos em choque constante e talvez só consigamos nos curar depois da guerra”, afirma Ghada Al-Kurd, que ainda carrega a dor de ter perdido o irmão e a família, soterrados desde o início do conflito.
Diante desse cenário, 27 países, entre eles Reino Unido, França, Alemanha, Austrália e Japão, pediram que Israel permita a entrada de mídia estrangeira independente em Gaza. A Coalizão pela Liberdade de Mídia também condenou os ataques contra jornalistas, reforçando que esses profissionais precisam ser protegidos.