O brasileiro Rafael Marques Lusvarghi, que há sete anos lutou como voluntário ao lado das tropas separatistas pró-Rússia no confronto armado contra o Exército da Ucrânia, segue preso em São Paulo desde maio de 2021.
Em novembro do ano passado, ele foi condenado pela Justiça paulista a 8 anos, 1 mês e 6 dias de prisão em regime fechado pelos crimes de posse ilegal de munições de arma de fogo e tráfico de droga em Presidente Prudente, interior do estado.
Atualmente ele cumpre a pena detido na Penitenciária de Tupi Paulista, distante mais de 600 km da capital. Rafael, que completou 38 anos no último dia 14 de novembro, está preso em regime fechado. Apesar de ter direito a visitas, nenhum parente dele foi vê-lo na prisão, segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).
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Munições de calibre 9 mm foram apreendidas na casa de Rafael Lusvarghi, em Presidente Prudente — Foto: Polícia Militar
Tem direito de receber visitas aos finais de semana, porém não cadastrou nenhum familiar no Rol", informa trecho da nota divulgada pela SAP ao g1.
Ainda de acordo com a pasta da Administração Penitenciária, Rafael trabalha no serviço de limpeza da unidade prisional para abater o tempo da pena pela qual foi condenado.
"Exerce atividade laborativa desde 13/07/2022 na limpeza interna da unidade", segundo a SAP.
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Pouco mais de 25 quilos de maconha foram apreendidos na casa de Rafael Lusvarghi — Foto: Polícia Militar
Alegou que estava guardando a munição e o entorpecente no seu imóvel para pessoas desconhecidas. E que receberia R$ 3 mil por mês por isso. Uma balança para pesar a droga, uma moto e dinheiro (R$ 259,70 e 3,10 euros) também foram apreendidos no local.
Procurada em outras ocasiões pelo g1 para comentar o assunto, a Defensoria Pública informou que atua na defesa de Rafael em relação à execução da sua pena. E que um advogado conveniado defende o condenado no processo criminal.
O g1 entrou em contato nesta semana com uma advogada que já defendeu o preso. Ela disse que os advogados de Rafael não falariam sobre o caso a pedido do próprio preso. Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária, ele também não quer falar.
Rafael começou a ser chamado pela imprensa brasileira e internacional de "guerrilheiro brasileiro" por ter se alistado e lutado na Ucrânia em meados de 2014 e 2015, quando se juntou a militares rebeldes pela independência das províncias ucranianas de Donetsk e Luhansk.
Em 21 de fevereiro deste ano, o presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu oficialmente a independência das duas regiões controladas pelos separatistas. A Rússia apoia as tropas que lutam para tornar as províncias dois países independentes. Além disso, é contra a inclusão da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) por entender que isso afetaria sua soberania.
As declarações de Putin acirraram a tensão entre russos, ucranianos e países aliados. O político autorizou, por exemplo, que soldados atravessassem a fronteira com a Ucrânia em direção a Donetsk e Luhansk. O que ocorreu na madrugada de 24 de fevereiro deste ano, dando início a um conflito, já que ucranianos reagiram à invasão russa.
Em entrevista ao g1 em agosto de 2014, Rafael se definiu como “combatente”, “stalinista” e de “esquerda”. "Sou um combatente", havia dito o brasileiro à época, antes de viajar para a Ucrânia. "Sou favorável aos rebeldes, que eles se separem e decidam o próprio destino deles."
Em setembro daquele mesmo ano, Rafael escreveu em sua página no Facebook que havia desembarcado na Ucrânia para lutar pela libertação das duas províncias. “Eu vou ficar por um longo tempo agora. Eu me tornei voluntário no exército de Novarússia”, postou na rede social.
Mais velho de quatro irmãos nascidos em família de origem húngara e de classe média, Rafael é de Jundiaí, no interior de São Paulo. Ele fez curso de técnico em agronomia na cidade. A mãe é professora e separada do pai, que é empresário em Minas Gerais.
Aos 18 anos, Rafael se alistou na Legião Estrangeira, na França, onde serviu por três anos. Na volta ao Brasil, foi soldado da Polícia Militar de São Paulo, entre 2006 e 2007. Depois tentou a carreira de oficial na PM do Pará, mas abandonou em 2009.
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Rafael Lusvarghi na PM de SP — Foto: Divulgação / Arquivo pessoal
Em 2010, ele seguiu para a Rússia para estudar medicina. Lá aprendeu a língua local. Tentou ainda entrar para o Exército russo, mas não conseguiu e voltou à América do Sul. Afirmou ter entrado no território colombiano, onde teria ingressado nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
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Rafael Marques Lusvarghi, detido em protesto de 12 de junho de 2014 na Avenida Paulista — Foto: Estadão Conteúdo
Rafael perdeu os empregos em Indaiatuba após sido preso pela Polícia Militar em 12 de junho de 2014 em São Paulo, durante protesto contra a Copa do Mundo no Brasil.
A imagem dele estampou jornais, sites e a TV à época. Rafael aparecia sem camisa, levando tiros de balas de borracha no peito e spray de pimenta no rosto disparados por policiais militares enquanto enfrentava os agentes. Depois foi cercado pelos PMs, algemado e detido.
A polícia paulista o acusou de de ser adepto da tática black bloc, nome dado a manifestantes que usam capuzes pretos e destroem patrimônios público e privado como forma de protesto. Rafael ficou 45 dias preso até ser solto pela Justiça de São Paulo, que o absolveu das acusações de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de material explosivo.
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Rafael (acima à esquerda) segura bandeira brasileira ao lado de combatentes no leste da Ucrânia — Foto: Reprodução/ Facebook/ Rafael Lusvarghi
Em setembro de 2014, logo após ser solto, ele viajou à Ucrânia e se tornou o primeiro brasileiro a se aliar às tropas separatistas daquele país. Outros 12 brasileiros seguiriam depois. Atualmente um brasileiro ainda estaria lutando ao lado dos exércitos pró-Rússia. O g1 procurou o Ministério das Relações Exteriores no Brasil para comentar o assunto, mas o Itamaraty não havia respondido até a última atualização desta reportagem.
Enquanto esteve combatendo nas forças rebeldes, Rafael chegou a ser gravemente ferido em combate pelo Exército ucraniano. Ele ficou na Ucrânia até outubro de 2015, quando as tropas rebeldes aceitaram o acordo de cessar-fogo entre os dois lados.
Rafael considerou que sua prisão foi uma "emboscada". À época, pela lei ucraniana, o fato de o brasileiro ter lutado contra a Ucrânia caracterizou "terrorismo", e ele foi acusado pela polícia local de ser “mercenário” e “assassino profissional”. O jundiaiense sempre negou esses crimes, alegando que estava lutando pela independência de Donetsk e Luhansk.
Em 25 de janeiro de 2017, Rafael foi julgado na Ucrânia e condenado a 13 anos de prisão por terrorismo. A defesa dele recorreu, alegando irregularidades no processo, como ausência de tradução na língua portuguesa no processo e até denúncias de que o brasileiro foi torturado pelos ucranianos.
A Justiça da Ucrânia decidiu então anular aquele julgamento e, consequentemente, a sentença. Em 14 de novembro de 2017, um tribunal ucraniano determinou um novo julgamento e em 18 de dezembro de 2017, o brasileiro foi solto provisoriamente.
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Rafael Lusvarghi em vilarejo na periferia da cidade de Debaltseve, no leste da Ucrânia — Foto: Reprodução/ Facebook/ Rafael Lusvarghi
Ele deixou a prisão e decidiu seguir sozinho para a Embaixada do Brasil em Kiev. Seu passaporte, no entanto, ficou retido pelas autoridades ucranianas, impedindo que ele deixasse o país.
Em maio de 2018, antes mesmo da marcação de um novo julgamento, um grupo de ultranacionalistas ucraniano capturou Rafael. O brasileiro estava refugiado dentro de um mosteiro ortodoxo perto da capital ucraniana.
No final de 2019, Rafael foi solto após ter sido trocado com mais 200 prisioneiros em acordo entre a Ucrânia e as tropas separatistas. Depois disso, ele retornou ao Brasil, onde foi preso no ano passado.
g1