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Especial
19/07/2022 20:00:00

Tragédias climáticas batem recorde de vítimas em 2022; onde será a próxima?


Tragédias climáticas batem recorde de vítimas em 2022; onde será a próxima?

Desde janeiro deste ano, ao menos 495 pessoas perderam a vida em todo o país em desastres em decorrência das chuvas, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com base nos dados das defesas civis municipais. A tragédia mais recente ainda ocorre em Alagoas, onde enchentes tiraram a vida de seis pessoas, e Pernambuco, onde 126 pessoas morreram por causa de deslizamentos de terras, que soterraram dezenas de pessoas, além de afogamentos e outros casos relacionados a inundações. Somente em Recife, foram 50 óbitos.

O número de mortes causadas pelo excesso de chuvas no Brasil em 2022 é o maior dos últimos 10 anos e corresponde a mais de 27% de todas as vítimas registradas na década. De 1º de janeiro de 2013 a 1º de junho de 2022, foram registrados 1.777 óbitos por consequências das chuvas – como deslizamentos de terra e afogamentos. Os quatro últimos anos foram os mais mortais da década, com 320 pessoas morrendo todos anos em média por causa dos desastres decorrentes.

Não existe no horizonte políticas públicas que contenham o avanço da ocupação massiva sobre áreas de encostas e vales, provocado pelo aumento da população em moradias precárias, o que deixa a triste certeza de que novas tragédias ocorrerão nos próximos anos, faltando apenas definir onde ocorrerão.

A região metropolitana do Recife é uma das mais vulneráveis do país a desastres naturais envolvendo tempestades que todos os anos atingem o país. Igarassu, a 27 km da capital, é a cidade mais vulnerável do país, com quase 70% dos seus 120 mil habitantes vivendo em áreas de risco. Ribeirão das Neves, na Grande BH, ocupa o segundo lugar deste grave ranking.

O levantamento mais extenso já feito sobre o tema, cruzando informações do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) com dados do Censo 2010 do IBGE, mostrou que em 2018, 8,2 milhões de brasileiros viviam em moradias expostas a tragédias como as vividas em Pernambuco e Petrópolis neste ano.

A estimativa atual é de que pelo menos 10 milhões de pessoas vivam em áreas de encostas e vales suscetíveis a deslizamentos e enchentes mais graves. Mais da metade, na região Sudeste, que concentra a maior população em geral, e 17% na região Nordeste. A área mais povoada do país, ao longo do litoral e zonas da mata, estão assentadas sobre os solos mais acidentados e perigosos do país, revela mapa de risco de deslizamento desenvolvido pelo IBGE.

As áreas classificadas pelo IBGE como de alto risco para deslizamentos coincidem com as mais densamente povoadas do país, incluindo as regiões serranas de RJ, SP, ES e MG, além da zona da mata pernambucana. O Rio de Janeiro, que tem metade da sua área sob risco, é o estado mais povoado do país, com 394 habitantes por km2
 
As áreas classificadas pelo IBGE como de alto risco para deslizamentos coincidem com as mais densamente povoadas do país, incluindo as regiões serranas de RJ, SP, ES e MG, além da zona da mata pernambucana. O Rio de Janeiro, que tem metade da sua área sob risco, é o estado mais povoado do país, com 394 habitantes por km2

Salvador é a cidade com maior população exposta: quase metade dos 2,9 milhões de habitantes da capital baiana estão em regiões sensíveis. São aproximadamente 1,3 milhão de pessoas em áreas de risco, se a proporção se mantiver a mesma de 4 anos atrás.

Segundo o coordenador de Geografia do IBGE, Claudio Stenner, as características geográficas da cidade, somadas à concentração de população, explicam a quantidade de pessoas em áreas de risco. “A cidade tem morros e vales, então a ocupação se dá nas encostas, que estão sujeitas a deslizamentos, e nos vales, onde há possibilidade de alagamentos. As áreas menos favoráveis são as que restam para as populações com piores condições socioeconômicas”, explicou.

“Em Salvador, como em tantas destas cidades mais afetadas, existe um aumento da população em áreas de encostas, como por exemplo Igarassu ou Riberão das Neves”, comenta também André Assumpção, gerente de dinâmicas ambientais e territoriais do IBGE. “É um problema comum de populações periféricas e oposta aos bairros mais nobres das metrópoles, de ocupação urbana que vai marginalizando as essas populações das periferias e que acabam ocupando áreas com condições de relevo menos propícias ou que não são trabalhadas para serem habitáveis com segurança”, conclui.

População carente e mais exposta

Uma em cada cinco pessoas morando em áreas de risco no país vive em favelas, ocupações ou palafitas, chamados pelo instituto de aglomerados subnormais. Os dois municípios mais ameaçados possuem, respectivamente, 68% e 60% das populações sob risco. A cidade mineira, afetada por enchentes e deslizamentos em seguidos nos últimos três anos, pelo menos, tem a penúltima pior renda per capita da região metropolitana de Belo Horizonte, e está entre os 10 piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região. A pernambucana possui renda média da população menor de dois salários mínimos.

“Vamos verificar que as localidades onde há maior risco são justamente aquelas com população periférica ocupando encostas sem muito planejamento, majoritariamente com condições precárias de abastecimento de água, saneamento”, explica Assumpção.

Com o aumento da população em moradias precárias, a tendência é a ampliação do problema. Antes mesmo da pandemia este problema já era analisado. De acordo com o IBGE, a quantidade de aglomerados subnormais, como favelas e palafitas, dobrou entre 2010 e 2019. Foi de 6.329 em 323 municípios para 13.151 em 743 cidades.

Na capital paulista, a pandemia da Covid-19 empurrou cerca de 20 mil famílias para as habitações precárias, segundo dados da Secretaria Municipal da Habitação. No fim de 2019 havia 372 mil famílias vivendo em moradias precárias da cidade, distribuídas em mais de 1.700 favelas. Em 2021, esse número passou para 392 mil casas em 1.733 comunidades.

A despeito da piora do indicador, nos últimos anos o número de moradias entregues em programas como o Minha Casa Minha Vida despencou ao longo do governo de Jair Bolsonaro, que o remodelou, batizando de Casa Verde Amarela. De 102 mil unidades habitacionais entregues em 2018, foram para 33 mil em 2021. Uma pesquisa do Dieese e da fundação alemã FES-Brasil afirma que os gastos do governo federal com o programa Casa Verde e Amarela sofreram um corte de 98% no ano passado.

Boom populacional

No verão deste ano, temporais deixaram 50 mortos no estado de São Paulo, o dobro do registrado na estação no ano passado. Do total, 46 mortes ocorreram na Grande SP, reforçando a visão dos especialistas sobre a precariedade das periferias das regiões metropolitanas do Sudeste e Nordeste frente aos desastres climáticos.

As três cidades da região metropolitana de São Paulo mais afetadas passaram por um grande "boom habitacional" nas últimas três décadas, fenômeno que, segundo urbanistas, contribuiu para a ocupação desenfreada de áreas com risco de deslizamentos e inundações, e que se repete em grande parte do Brasil.

O IBGE levantou recentemente ainda os territórios mais perigosos para deslizamentos de terra. Mais da metade da área do estado do Rio de Janeiro é classificada como muito alta, enquanto 45% do território capixaba está na mesma condição. São áreas onde as ocorrências de chuvas estão diretamente associadas a acidentes geológicos.

Mapa do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) mostra que, com exceção da região norte, os alertas de desastres geológicos, como deslizamentos, estão intimamente ligados a desastres hidrológicos, como as enchentes e inundações
 
Mapa do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) mostra que, com exceção da região norte, os alertas de desastres geológicos, como deslizamentos, estão intimamente ligados a desastres hidrológicos, como as enchentes e inundações

Para o gerente de geografia do IBGE, Cayo Franco, o terreno fluminense e capixaba explicam porque tragédias ocorrem nesses Estados, apesar de não possuírem maior população em risco.

“Não é porque há uma maior população sob risco que o desastre será mais drástico, pois isso tem a ver também com as condições do relevo. Às vezes há menor população exposta, como por exemplo Petrópolis, que não está no topo do ranking, mas quando acontece, é muito mais grave, porque são áreas de maior declive, mais sensível”, afirma.

Um novo levantamento mais preciso e atual ficou atrasado junto com a realização do Censo, programado inicialmente para 2020, mas adiado por conta da pandemia de Covid-19, e correu o risco de não ser realizado neste ano por causa da verba insuficiente repassada pelo Governo Federal. Após corte de cerca de 30% logo no início do governo Jair Bolsonaro, o Censo foi orçado em R$ 2,3 bilhões, mas no final de agosto do ano passado, o governo passou a prever R$ 2 bilhões para o Censo no Orçamento de 2022. A quantia, segundo o IBGE, era insuficiente. Após a resolução do imbróglio, o Censo de 2022 teve início no final de junho.

Com as novas informações detalhadas sobre a população, IBGE e Cemaden poderão calcular com mais precisão o real panorama dos brasileiros em áreas de risco. Para os pesquisadores envolvidos, o número deve aumentar bastante devido a uma série de fatores.

“O número de cidades monitoradas aumentou de 872 para 959, assim como o número de moradores em moradias precárias, e ainda temos uma ocorrência maior de fenômenos climáticos extremos; somados, podem resultar em um aumento expressivo do número total”, pondera Rodrigo Santana, pesquisador do Cemaden.

Em agosto do ano passado, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) publicou seu relatório alertando para o padrão do aquecimento global e as possíveis consequências.

Segundo o documento, a emissão de gases de efeito estufa já é responsável, até agora, pelo aumento da temperatura no planeta em 1,1ºC desde 1850, quando a revolução industrial se tornou global. Parece pouco, mas meros 6ºC separam a última era do gelo do planeta que estamos acostumados.

O painel alerta que mantido o padrão dos últimos 170 anos – o que vem ocorrendo devido às acanhadas reduções de emissões de modo geral – chegaremos a um aumento de 1,5ºC até 2040. Isso seria suficiente para gerar ondas de calor crescentes, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas.

Doutor em recursos hídricos e agrometeorologia e professora da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), Roberto Atarassi explica que o aquecimento da atmosfera não gera apenas maiores temperaturas. “Temos que pensar no calor como energia; se a atmosfera retém mais energia, essa força vai acabar extravasando em fenômenos climáticos mais extremos”, diz. O mais corriqueiro destes fenômenos serão tempestades torrenciais, com maior potencial de desencadear tragédias.

Com o aumento de temporais extremos nas encostas das serras e zonas da mata do país, a população mais carente e moradora de áreas de risco acabará ainda mais ameaçada de tragédias como as que continuam ocorrendo em 2022, mesmo após o fim do verão.

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