Depois de 24 dias de guerra na Ucrânia, a Rússia conquistou apenas uma grande cidade, Kherson. Os russos ainda não foram capazes de cercar totalmente a capital da Ucrânia, Kiev, e mesmo cidades que já estão cercadas há dias, como Mariupol, ainda não caíram.
A estratégia russa na Ucrânia deu errado? Especialistas em confronto militar ouvidos pelo g1 afirmam que não dá pra dizer isso. É preciso, dizem eles, colocar em contexto algumas condições, como o extenso tamanho do território da Ucrânia e o tempo que os ucranianos tiveram para se preparar para responder os invasores.
Não há uma declaração oficial das forças russas que explicita qual é a meta militar que eles perseguem.
É impossível dizer, por exemplo, se Vladimir Putin pretende anexar o território ucraniano, explicam Carlos Frederico e o coronel Alexandre Moreira, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército do Brasil.
"Sabemos, pois isso foi afirmado publicamente, que há uma demanda pelo reconhecimento da soberania russa sobre a região da Crimeia e pelo reconhecimento da independência da região de Donbass", afirmam.
Os dois objetivos militares russos mais importantes, segundo Ronaldo Carmona, pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), são os seguintes:
Kiev, claro, é a capital do país. O segundo objetivo é mais estratégico por várias razões: o Mar Negro é um gargalo para a esquadra russa. Os russos têm as águas geladas em seu litoral no norte, mas o acesso às águas do Mediterrâneo se dá pelo Mar Negro, cujo domínio é importante para consolidarem seu poder naval para vários fins.
Relatórios de inteligência de países como o Reino Unido afirmam que os russos enfrentam dificuldades não previstas e que, a essa altura, imaginavam já ter conquistado o controle da Ucrânia.
Mas não é bem assim, diz Carmona. Os russos estão sendo relativamente bem-sucedidos no cerco a Kiev, opina: “Nenhuma grande cidade sitiada, sem armas, sem luz, sem gêneros alimentícios sobrevive muito tempo. É um passo para Kiev colapsar –já se cogita transferir a sede de governo para Lviv. Dificilmente os russos vão tentar fazer um combate de rua a rua, de casa a casa. Na história militar dos russos há a batalha de Stalingrado, os nazistas entraram nessa, rua por rua, casa por casa, e foram derrotados pelo Exército Vermelho.”
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Comboio militar das forças-armadas da auto-proclamada Uma visão mostra um comboio militar das forças armadas da auto-proclamada República Popular de Luhansk, na região de Luhansk na Ucrânia — Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko
A conquista da Ucrânia é complexa por vários fatores. Carmona destaca dois:
“A imprensa ocidental fala desde o ano passado que poderia haver uma invasão, era claro de onde viria a invasão. Além disso, a Otan vem treinando e oferecendo armamento complexo para as forças ucranianas há tempos”, afirma ele.
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Áreas de Donetsk e Luhansk, reconhecidas como independentes pela Rússia — Foto: Arte g1
No começo houve a impressão de que os russos poderiam tentar uma blitzkrieg, um avanço muito rápido, mas isso só é possível em terreno onde há menos resistência, e não é o caso, diz ele: “Essa invasão estava escrita nas estrelas, os ucranianos têm o aparato da Otan e dos EUA como assessores militares, é natural que os russos não consigam progredir rapidamente”, afirma ele
A sensação de lentidão e de que pode ter havido um erro estratégico dos russos se deve em parte ao fato de que os combates em áreas urbanas têm essa dinâmica mais lenta, porque é necessário aproximar as tropas para investir sobre os centros urbanos, afirmam Carlos Frederico e o coronel Alexandre Moreira, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército do Brasil.
Eles dizem que até pode ser que os russos tivessem, inicialmente, a intenção de uma ação mais rápida, mas rever uma estratégia durante os combates não é nada extraordinário: “Assim como em qualquer outra seara, nos conflitos, as lições se dão a partir do estudo, pesquisa e reajuste de estratégias e expectativas; a abertura de quatro frentes de combate não é tarefa simples, exigindo muita coordenação e controle para cumprir os objetivos militares. Não sabemos se a velocidade é a prevista por Moscou ou se há um atraso”, afirmam.
Os russos têm mais armamentos, que não foram empregados ainda. Mas não se sabe qual é a verdadeira avaliação russa sobre a velocidade da operação, dizem os professores.
Carmona, do Cebri, afirma que se os russos entrassem com muita força em ambientes urbanos, por exemplo, o número de baixas civis seria elevado exponencialmente. Ainda que haja baixas civis, diz ele, isso não é parte da estratégia russa.
“Os russos possuem armamentos não utilizados, como armas químicas e atômicas. Eles vêm escolhendo a destruição de alvos militares, em sua grande maioria. Infelizmente, neste cenário, outros alvos também acabam sendo atingidos, gerando grandes perdas de vidas humanas”, dizem Frederico e o coronel Moreira, da Escola de Comando e Estado-Maior.
Carmona vai na mesma linha: “Não interessa à Rússia cometer um massacre, dizimar a população, o objetivo atualmente é ganhar a guerra, e para isso o alvo são as forças militares adversárias, e não a população civil”.
No entanto, em guerras acontecem episódios em que pessoas cometem barbáries, mesmo que isso seja contraproducente para o país do exército que as executam. Há imagens de civis e prédios residenciais que foram atacados.
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7 de março - Homem segura crianças durante fuga da cidade de Irpin, a oeste de Kiev, na Ucrânia — Foto: ARIS MESSINIS / AFP
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Imagens de satélite mostram comboio militar russo se aproximando de Kiev — Foto: Satellite image ©2022 Maxar Technologies/Handout via Reuters
O avanço russo inicial em território ucraniano foi significativo e uma das consequências disso é que a linha de suprimentos da tropa fica “esticada”, dizem os professores da Escola de Comando Maior. "São diversos os relatos de que a Ucrânia utilizou de estratégia deliberada de ataque às linhas de suprimento do adversário, causando a necessidade de reagrupamento para redesenho estratégico. A logística é fator limitador para qualquer Exército do mundo, em qualquer teatro de operações existentes. Mas não se pode afirmar que esse é o maior problema russo no momento”, dizem eles.
Carmona afirma que há muita propaganda nos relatos que descrevem os problemas logísticos: “Isso seria de um amadorismo gigantesco, a Rússia tem uma experiência de séculos, derrotou o Napoleão, derrotou o exército nazista, e o povo russo está acostumado ao confronto e à guerra”.
g1