Na medida em que a covid-19 se espalhava pelo mundo ao longo do último ano, outro perigo também se disseminava: a desinformação sobre como tratá-la. Às vezes, a desinformação é criada até mesmo em torno de ideias que contêm algum fundo de verdade — e esse pode ser o tipo de "fake news" mais difícil de combater.
É o caso da vitamina D, alvo de intensos debates sobre um potencial uso como tratamento para a covid-19.
Como se verá mais para frente nesta reportagem, o estudo original que havia mostrado um suposto sucesso da vitamina D tornou-se alvo de críticas porque não seguiu métodos robustos o suficiente para apontar para aquelas conclusões.
Em outras palavras, este estudo, feito na Espanha, não respeitava critérios científicos importantes para que seus resultados pudessem ser indicados com segurança para a população. Ele foi retirado de circulação pela publicação e agora é alvo de uma investigação.
Enquanto isso, no momento, outro estudo mais rigoroso está sendo conduzido na Inglaterra.
Foi a partir dessa controvérsia que informações falsas começaram a se difundir sobre a suposta eficácia da vitamina D contra a covid-19.

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Peixes gordurosos e derivados do leite estão entre as principais fontes de vitamina D na alimentação — até agora, não há evidências científicas de que suplementação com a vitamina ajude no combate à covid-19
Muitos tratamentos bastante conhecidos pelos brasileiros foram sugeridos para a covid-19.
Hidroxicloroquina, ivermectina e vitamina D — todos esses medicamentos são ou foram, em algum momento, estudados.
É importante lembrar que sugerir que um tratamento possa ser eficaz e depois descobrir que isso não é verdade faz parte do processo científico normal.
O problema é que, hoje em dia, pesquisas online, em fases iniciais ou de baixa qualidade têm sido compartilhadas fora do contexto. E a confusão que isso cria pode ser explorada por pessoas que promovem teorias da conspiração.
Há alguma lógica por trás do motivo pelo qual a vitamina D pode ser útil no tratamento ou prevenção de covid-19.
Ela desempenha um papel na imunidade e já é recomendada, por exemplo, no Reino Unido - onde todos devem tomar o suplemento no inverno (sendo que aqueles com maior risco de deficiência de vitamina D são aconselhados a tomá-la durante todo o ano).
Até agora, porém, nenhuma pesquisa mostrou um efeito suficientemente convincente para apoiar o uso de doses mais altas da vitamina D para prevenir ou tratar doenças, o que pode vir a mudar no futuro.
Assim, é compreensível que o uso de vitamina D para prevenir a covid-19 tenha se espalhado pela internet como conselho de saúde. No entanto, alguns foram muito mais longe, sugerindo em fóruns online como o Reddit que os governos "mal mencionam" a eficácia da vitamina D e, em vez disso se concentram em "vacinas e rastreamento do estado policial".
Ou alegando que a vitamina estaria sendo ignorada porque a Organização Mundial da Saúde (OMS) é "paga pela grande indústria farmacêutica".
Os argumentos podem ser facilmente derrubados — a começar pelo fato de as próprias vitaminas serem uma indústria que movimenta bilhões de dólares.

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Muitos estudos mostraram uma associação entre a vitamina D e a covid-19, mas a evidência é meramente empírica — o que significa que outros fatores não estão sendo controlados e monitorados para se determinar com precisão uma relação de causa e efeito.
Ou seja, as conclusões desses estudos não são robustas o suficiente: para isso acontecer seria necessário, por exemplo, um ensaio clínico conhecido como randomizado, no qual pessoas recebem um tratamento ou uma versão simulada, ou placebo, para que os cientistas possam ter certeza de que o resultado é causado pelo tratamento.
Estudos observacionais mostram que certos grupos são mais propensos a ter deficiências de vitamina D e a pegar covid-19 — em geral, pessoas mais velhas, pessoas com obesidade e pessoas com pele mais escura (incluindo pessoas negras e do sul da Ásia).
Pode ser que uma deficiência seja o motivo pelo qual esses grupos correm maior risco, ou pode haver outros fatores de saúde e ambientais que levam à queda nos níveis de vitamina D e maior suscetibilidade ao vírus.
Os níveis da vitamina também podem cair como consequência da doença, em vez de serem a sua causa.
Só seremos capazes de isolar a vitamina D como causa realizando testes controlados randomizados conduzidos adequadamente, como o que está sendo executado no momento na Queen Mary's University, no Reino Unido.
Um artigo da Universidade de Barcelona chamou atenção, alegando ter conduzido exatamente esse tipo de estudo.
Ele sugere que a vitamina D tem um sucesso impressionante, com uma redução de 80% nas admissões em terapia intensiva e uma redução de 60% nas mortes de covid.
Esse resultado foi amplamente compartilhado pela internet.
Mas, desde então, o estudo foi retirado do ar por "preocupações sobre a descrição da pesquisa". O periódico científico The Lancet, que o publicou originalmente, está agora conduzindo uma investigação sobre o artigo.
O problema é que essa retratação não foi compartilhada da mesma forma que o artigo original.
No estudo, a vitamina D foi administrada a todos os paciente em enfermarias, em vez de aleatoriamente para indivíduos, como deveria ter sido feito em uma pesqusa rigorosa.
BBC News Brasil