Svetlana Lukash entrou em trabalho de parto justamente durante o toque de recolher em Kiev, no final de fevereiro. Como ela corria risco de complicações, foi levada para a maternidade, apesar do alerta de ataque aéreo. "Você não pode dar à luz em um sofá se estiver esperando complicações", diz Svetlana. "Quando chegamos ao hospital, as sirenes ecoavam, então fomos levados ao porão."
A invasão russa da Ucrânia, com seus ataques de mísseis e bombas contra as cidades, força muitas mulheres a darem à luz em porões de hospitais. O local naturalmente é inadequado para nascimentos, mas partos em uma sala obstétrica sob fogo podem ser fatais.
Desde o início da guerra, muitos hospitais na Ucrânia foram danificados ou destruídos. Por exemplo, um ataque em 2 de março transformou a maternidade da cidade de Zhytomyr em ruínas. Nos dias seguintes, hospitais em Mariupol e em Vasylivka também foram bombardeados e destruídos. Três moradores foram mortos.
"Mas nem o pessoal médico nem os pacientes ficaram feridos. Durante o bombardeio, até mesmo nasceu uma criança! A vida continua e o choro dos recém-nascidos ucranianos vão derrotar os ferozes ataques aéreos dos terroristas", disse recentemente o ministro da Saúde ucraniano, Viktor Lyashko.
"O mundo precisa saber que as mulheres ucranianas dão à luz sob bombardeios, e estamos fazendo campanha para que elas sejam retiradas", afirma Anna Hopko, ex-membro do parlamento ucraniano. Uma amiga dela também teve que dar à luz em um abrigo antiaéreo. Hopko pede que a Cruz Vermelha e outras organizações venham à Ucrânia. Mas, para que isso aconteça, o bombardeio das cidades ucranianas teria que cessar. "Precisamos de uma zona de interdição de voo sobre a Ucrânia", implora.
Maria Shostak, de Kiev, entrou em trabalho de parto no primeiro dia do ataque russo à Ucrânia, em 24 de fevereiro. Ela foi transferida junto com outras mulheres para o porão, que, segundo Maria, não estava equipado para mulheres grávidas.
"Mais tarde fomos convidadas a ir para outro porão, onde a eletricidade estava restabelecida. Mas estava frio lá. Disseram que as mulheres grávidas em trabalho de parto poderiam ficar lá. Afinal de contas, é muito cansativo ficar se deslocando nos porões. Assim, nós nos sentamos em cadeiras e passamos o tempo todo lá. Minhas costas doíam muito", diz ela. Em seguida, o local foi preparado para as futuras mães − com colchões, cobertas e travesseiros.
Mas Maria conseguiu dar à luz lá em cima, no prédio do hospital. "Se tivesse havido um alarme aéreo, provavelmente eu teria tido que dar à luz no porão. Embora os médicos tenham vindo várias vezes e dito que uma evacuação já estava em andamento e que eu também teria que ir para o porão, eu estava me sentindo mal e disse que ficaria sob minha própria responsabilidade", lembra. Seu filho nasceu de cesárea. Maria ainda teve sorte, pois outras mulheres tiveram os filhos com cesariana num bunker.
Em Kherson, que é controlada pelos ocupantes russos, a situação não é melhor. Mesmo durante os bombardeios, nasceram crianças nos porões, diz Yuri Herman, obstetra e ginecologista do hospital local.
"São salas frias, só servem para se proteger durante os ataques aéreos. Agora lá estão gestantes, mães com seus recém-nascidos, incluindo bebês prematuros. Sob tais condições, não podem haver cuidados obstétricos seguros. Se você precisa operar, tem que deixar o porão e, em pleno século 21, arriscar a morte de mulheres durante o parto", diz ele.
O porão do hospital não estava preparado para esta situação, diz. Ninguém em Kherson, conta Herman, pensava que haveria guerra. O ginecologista também adverte que as mulheres estão temporariamente impossibilitadas de vir ao hospital para dar à luz. Como os russos bloquearam o caminho das ambulâncias, as mulheres foram forçadas a dar à luz em casa e receber instruções por telefone − incluindo como cortar o cordão umbilical. Agora as ambulâncias já voltaram a ser permitidas na cidade.
Mas, segundo Herman, ainda há problemas para as mulheres grávidas da periferia. Elas não podem vir para o hospital regional em Kherson porque a cidade está isolada. "No campo, não existem centros obstétricos tão bons. Muitas mulheres que queriam vir até nós para o nascimento de seus filhos agora não podem fazê-lo, mas todas as gestantes com previsão de um parto difícil chegaram até nós", enfatiza o médico.
A situação é ainda mais complicada em Chernihiv, onde os ataques com mísseis russos continuam. Em 2 de março, um projétil atingiu o hospital distrital e danificou gravemente o prédio. Mas a maternidade continua intacta. Gestantes e pessoal médico, no entanto, têm que se refugiar constantemente dos ataques no porão.
"Temos um grande abrigo antiaéreo, que eu ainda consegui reparar a tempo. A ventilação funciona e ali há um gerador de eletricidade separado, também banheiros e até mesmo um bloco cirúrgico. Também são fornecidos suprimentos alimentares e medicamentos. Eu já esperava um ataque russo", diz o médico chefe Vasyl Husak.
Segundo ele, já houve mais de 40 nascimentos em sua clínica desde que a guerra começou, incluindo trigêmeos duas vezes, o que é muito raro. "A última vez que tivemos trigêmeos foi há três anos. E agora foram duas vezes. Todas as crianças estão com saúde. Uma família teve três meninas e a outra, duas meninas e um menino", conta. Ele está certo de que este é um bom sinal e espera que a guerra termine logo. "Nasceram cinco meninas e um menino. Dizem que as meninas nascem para a paz no mundo."
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