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Justiça
24/10/2021 20:00:00

Após denúncias, CNJ analisa uso de constelações familiares na Justiça

Técnica aplicada em varas de Família coloca vítima em frente ao agressor. Mulheres denunciam revitimização, e resistência ao método cresce

Após denúncias, CNJ analisa uso de constelações familiares na Justiça

Com medo de perder a guarda da filha, que tem necessidades especiais, a administradora hospitalar Bianca Rodrigues*, de 56 anos, aguentou as agressões do marido por anos. Em 2017, quando finalmente decidiu se divorciar, começaram os processos na Justiça. Além do desgaste jurídico, a mãe alega ter sofrido humilhações por parte da juíza responsável pelo caso. O desrespeito teria acontecido por Bianca ter deixado de participar da constelação familiar, uma técnica usada pela magistrada para tentar pacificar a relação do ex-casal.

Segundo a administradora, em uma das agressões mais graves sofridas, o então marido, que é médico, a espancou até quebrar a mandíbula e três dentes dela. Ele teria ficado bravo após um pedido para abaixar o volume do som. “Ele pedia desculpas. Me dava joias e vestidos. Até hoje eu não consigo ver joias que lembro de tudo”, contou.

A terapia da constelação familiar foi criada nos anos 1970 e chegou ao Brasil em 1999. Popularizou-se e passou a ser usada pela Justiça desde 2012, em varas de Família, para casos como divórcio, decisões de guarda de filhos e violência doméstica. A prática, na qual é feita uma dramatização do problema na tentativa de resolvê-lo, é autorizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, após denúncias de mulheres, o órgão resolveu reavaliar a questão.

Apesar de, em tese, parecer uma boa ideia, relatos sugerem que o método pode acabar sendo mais prejudicial do que positivo. Ao serem submetidas às reuniões, muitas mulheres que sofreram abusos psicológicos e físicos pelos companheiros acabam tendo de encontrá-los pessoalmente para tentar “sanar conflitos”. De acordo com Bianca, isso é “humilhante”, é como “reviver um trauma”. Há uma corrente forte de questionamentos sobre a prática, na qual o principal argumento contra o mecanismo é, justamente, o elemento de possível revitimização.

A administradora hospitalar conta que, em quatro anos, trocou de advogado cinco vezes. Um deles foi questionado sobre o interesse de participar da constelação familiar e, sabendo que ela não queria se encontrar com o ex-marido, recusou sem questioná-la. Ao chegar a uma audiência na Vara Cível de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante, as humilhações por parte da juíza Magáli Dellape Gomes teriam começado.

“Ela começou a falar: ‘Muito bonito, a senhora, no dia da constelação, estava passeando no shopping? O pai [da filha] estava aqui, passou a tarde toda aqui. A senhora é muito interessada na sua filha, né? Acha que passear no shopping é mais importante que a sua filha?’ E eu fiquei paralisada, sem saber o que falar”, conta Bianca.

“Mulheres são obrigadas a perdoar o agressor”

A participação na constelação familiar não é obrigatória, mas opcional. No entanto, a advogada especialista em direito da mulher e sócia da Dias, Lima e Cruz Advocacia, Mariana Nery, que é contra o dispositivo, afirma que muitas mulheres estão sendo obrigadas, indiretamente, a fazer parte da terapia. De acordo com ela, as varas de Família “estão atrasadas com relação à violência doméstica”.

“As varas de Família estão muito atrasadas com qualquer tipo de recorte de gênero de violência doméstica. Elas agem como se estivéssemos falando de uma sociedade muito igualitária. Mas esquecem das questões de violência. Eles falam que a terapia é uma sugestão, mas, se elas não aceitam, é como se não tivessem tentado resolver o problema”, diz.

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