31/10/2025 14:26:38

Educação
28/04/2021 12:00:00

“Investir na primeira infância é como uma vacina para o desenvolvimento humano”

“Investir na primeira infância é como uma vacina para o desenvolvimento humano”

Quando se fala em desenvolvimento infantil, quase todos os olhos estão voltados para a educação formal como principal responsável pela ascensão social e sucesso na vida. Outros aspectos, como saúde física, mental e emocional; direitos individuais e investimentos econômicos não parecem coisa de criança. 

No entanto, desenvolvimento saudável em suas múltiplas dimensões durante os primeiros anos de vida faz as crianças se adaptarem melhor a mudanças e adquirirem novos conhecimentos com mais facilidade. Habilidades que as acompanharão durante todo o crescimento, levando-as a alcançar bom desempenho escolar, realização pessoal e oportunidades melhores de emprego, gerando cidadãos mais responsáveis.

“É como se você vacinasse esse desenvolvimento para enfrentar riscos e adversidades. Como combatemos os riscos? Não é passando a borracha, mas modificando o impacto negativo do risco”, afirma a psicóloga Maria Beatriz Martins Linhares, professora sênior da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e pesquisadora do recém-lançado Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI). 

Criado em 2021 pelo Insper com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o centro agrega outras sete organizações e dos 18 pesquisadores participantes, 12 são da USP. Com as pesquisas, eles esperam influenciar o poder público na formulação de políticas baseadas em evidências científicas. 

Foto: Divulgação / Ivepesp

Maria Beatriz Martins Linhares, pesquisadora da FMRP USP - Foto: Divulgação/Ivepesp

O CPAPI surge no âmbito do veterano Núcleo Ciência pela Infância, uma coalizão de entidades dedicadas à ciência, inovação, formação profissional e desenvolvimento de lideranças capazes de promover a qualidade de vida e a equidade de oportunidades a crianças pequenas.

Pequeno cidadão

“Primeira infância deveria ser a mãe de todas as políticas públicas, como um tema horizontal. Não podemos pensar em nada diferente de investimento na primeira infância se queremos um desenvolvimento sustentável para a sociedade. Tem razões humanitárias, psicológicas, mas tem razões econômicas também, além de razões éticas, de garantia de direitos.” 

Beatriz Linhares defende que a primeira infância corresponde ao período mais sustentável do desenvolvimento humano, mas reforça que a criação e o monitoramento de políticas públicas efetivas para os seis primeiros anos de vida da criança “dependem de um convencimento de diferentes agentes sociais”. Ouça a entrevista com a pesquisadora clicando no player:

 

“Ao nascer, uma criança tem pela frente uma loteria da vida. E até os anos 1970, as crianças nascidas sequer tinham acesso ao Estado para garantir sua proteção”, lembra Naercio Menezes Filho, diretor do CPAPI e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, em São Paulo. 

O economista destaca que altas taxas de mortalidade e pobreza extrema foram sendo combatidas com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a implementação de estratégias como o Saúde da Família, além de programas de superação do ciclo intergeracional de pobreza, como Bolsa Família, Aposentadoria Rural e Seguro Desemprego.

Primeira infância primeiro

“Estamos perdendo potencial de desenvolvimento até cinco anos de idade nos países em desenvolvimento. Das crianças nessa faixa etária, 37% não estão cumprindo habilidade básicas cognitivas e socioemocionais”, afirma Beatriz Linhares. 

A docente se refere a uma série de publicações da revista The Lancet sobre os impactos do desenvolvimento na primeira infância. O ônus também é financeiro. De acordo com o estudo, um mau começo na vida pode levar a problemas de saúde, nutrição e aprendizagem inadequada, resultando em baixos salários na vida adulta, bem como em tensões sociais. 

Estimativas feitas por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que os gastos do Brasil com a violência chegam a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano, ou aproximadamente R$ 373 bilhões considerando dados de 2016. O valor é equivalente ao investido pelo Estado em educação. 

O trabalho inovador do americano James Heckman, vencedor do Nobel de Economia nos anos 2000, mostrou que investimentos na primeira infância, em especial no cuidado de crianças em situação de vulnerabilidade social, têm relativo baixo custo. Já o retorno sobre o investimento varia de 7% a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema de justiça penal.

Apesar dos números disponíveis, o diretor do CPAPI conta que faltam dados para se traçar um perfil das crianças brasileiras. 

 

 

Menezes Filho explica que o CPAPI pretende mensurar o desenvolvimento infantil de várias formas, desde coletas para medidas biológicas até pesquisas envolvendo parentalidade e histórico de violência. Os pesquisadores se organizam para acompanhar grupos de recém-nascidos em municípios selecionados do Estado de São Paulo e cruzar as informações registradas na Caderneta da Criança com dados obtidos através de instrumentos de avaliação do desenvolvimento infantil. De acordo com o grupo, a caderneta é subutilizada pelos médicos e agentes de saúde.

Como forma de transferir a tecnologia, o centro deverá criar uma plataforma de código aberto para guardar os dados coletados da Caderneta da Criança (que serão colhidos por meio de aplicativos de celular e tablet) e dos registros administrativos de educação e saúde. Esta plataforma será acessível a profissionais e gestores públicos dos municípios que participam do estudo para subsidiar a criação e o aprimoramento de políticas públicas.

Os pesquisadores da USP que participam do novo centro são: Anna Maria Chiesa (EE-USP), Daniel Domingues dos Santos (FEA-RP/USP), Helena Brentani (FMUSP), Maria Beatriz Martins Linhares (FMRP-USP), Naercio Menezes Filho (Insper e FEA-USP) e Rogerio Lerner (IP-USP). Além destes, os pesquisadores associados: Alicia Matijasevich Manitto (UFPel e FMUSP), Débora Falleiros de Mello (EERP-USP), Eurípedes Constantino Miguel Filho (FMUSP), Guilherme Polanczyk (FMUSP) e Luiz Guilherme Dácar da Silva Scorzafave (FEA-RP/USP).

https://jornal.usp.br/