O Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do Planeta.
Em julho de 2019, atingiu (e superou) a marca de 800 mil presos.
Destes, 41,5% (337.126) estavam detidos provisoriamente, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados na época.
Até julho deste ano, um jovem negro de 28 anos era um desses presos provisórios do presídio de Manhumirim, em Minas Gerais. Lucas de Morais foi detido um ano antes por portar 10 gramas de maconha. Processado por tráfico, ele aguardou sem sucesso a soltura após dois pedidos de habeas corpus impetrados por seu advogado com base na lei anticrime, sancionada por Jair Bolsonaro na véspera do Natal.
Pela norma, o juiz deveria fundamentar a prisão preventiva de 90 em 90 dias. Levando em consideração esses prazos, o defensor Felipe Peixoto pediu duas vezes a libertação do jovem. Não houve tempo para julgamento.
Infectado por covid-19, Lucas morreu no dia 7 de julho na prisão.
Na sexta-feira, dia 9 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello soltou um dos chefes do PCC com base no mesmo artigo negado a Lucas de Moraes. André de Oliveira Macedo, o André do Rap, estava preso desde 2019 sem uma sentença condenatória definitiva. Como o prazo extinguia o limite legal, foi solto por ordem do magistrado. No mesmo dia, ele deixou a Penitenciária de Presidente Venceslau (SP). De lá, se mandou do país -- gerando um escândalo e uma troca de gentilezas entre ministros da Corte dignas de República das Bananas.
A decisão revoltou o governador João Doria (PSDB-SP), deputados da base bolsonarista e grande elenco. Era tudo tão óbvio que até parece armadilha.
Diante da saraivada, o novo presidente do STF, Luiz Fux, correu para suspender a decisão do colega, que reagiu. Marco Aurélio disse que Fux “adentrou no campo da hipocrisia, jogando para turma, dando circo ao público, que quer vísceras”.
O bate-boca é só a ponta de um iceberg visto de cima. Esse iceberg está detonado por furos entre procuradores e magistrados de outras instâncias, que permitiram que o caso chegasse até o STF sem uma resolução.
A fuga será tragada até a última ponta para mostrar como a Justiça brasileira é permissiva com criminosos. De nada ajuda na reconstituição da imagem a soltura de quem não teve analisado o nível de periculosidade antes da decisão e que até outro dia desfilava em iate milionário com o direito do crime.
Qualquer um que mergulhe pode ver, mais a fundo, que por baixo desse discurso existe uma multidão encarcerada e à espera de julgamento. Quantos presos com 10 gramas de maconha existem para cada chefe do tráfico beneficiado pela interpretação matemática da lei?
Essa é a pergunta que deveria ser levantada antes de qualquer bate-boca. Mas ela certamente será soterrada antes de submergir pelos próceres do populismo penal.
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