Depois do pesadelo, a esperança de uma vida nova. Esta é a expectativa da maioria dos ex-dependentes químicos que encaram o desafio duro de recomeçar a vida longe das sustâncias que os aprisionaram durante meses, anos ou até décadas. O tempo, invariavelmente parece eterno, principalmente se o doente encara a dura realidade de que a dependência química é uma doença crônica, em que muitas vezes a cura é um desafio cotidiano. Voltar para casa, depois de meses de tratamento, nem sempre é um momento apenas de felicidade, até porque retornar ao convívio das pessoas significa muitas vezes estar mais uma vez próximo aos agentes que favoreceram o início da vida degradante. A casa, os antigos amigos e até a família pode ser mais que uma lembrança dos tempos duros. Muitas vezes a reaproximação com a antiga vida pode significar a queda depois da vitória. Por isso, a força de vontade, a fé e a inserção destas pessoas em atividades profissionais são aliados de muitos ex-usuários, que usam o trabalho, seja ele voluntário ou remunerado, como agentes preponderantes para mantê-los longe das drogas e do álcool.
Fé vira recurso para se afastar do vício
Uma pesquisa realizada em São Paulo durante os anos de 2004 e 2005, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópica relatou exatamente o que muitos dependentes químicos prós-tratamento afirmaram: quem utiliza recursos religiosos não-médicos para tratar a dependência de drogas consegue manter a abstinência do consumo. Contribuem para isso o suporte, a pressão positiva e o acolhimento recebido no grupo, além da oferta de reestruturação da vida com o apoio incondicional dos líderes religiosos.
A base religiosa é um dos pilares usados pela maioria das comunidades terapêuticas estabelecidas em Alagoas. Na Comunidade Nova Jericó, em Marechal Deodoro, por exemplo, além da terapia médica e psicológica, um trabalho de valorização da fé é desenvolvido para dar suporte e fortalecer a vontade de se manter longe das drogas. Aliado a isso, muitos ex-usuários que têm sucesso no tratamento se integram à equipe para passar adiante sua experiência exitosa. “As experiências de sucesso de outras pessoas influencia o dependente no momento do tratamento, porque a perspectiva de que a recuperação é possível é essencial para o usuário acreditar que também pode conseguir”, afirmou o psiquiatra e especialista em dependência química, Marcelo Machado.
Na própria comunidade Nova Jericó, um dos conselheiros terapêuticos é um ex-dependente químico que usa a sua experiência para ajudar novos internos. Hoje com 45 anos e uma vida de histórias de idas e vindas ao submundo das drogas, que começou quando ele tinha 13 anos, ele acredita que a fé e o trabalho o mantém longe de uma nova recaída. “Demorei para entender que estava doente. Depois de me envolver com tantas coisas e de perder tudo o que tinha por diversas vezes, percebi, finalmente, que as pessoas precisam de mim, que sou útil. E isso me mantem vivo, me mantem longe do vício”, afirmou, sem querer entretanto, sair do anonimato.
Mais jovem que o conselheiro terapêutico, a jovem Alice Torquato tem uma história semelhante imersão e submersão do submundo das drogas. Também as 13 anos de idade, ela conheceu os entorpecentes. Seguiu até se envolver com o crack. Hoje, depois de passar por muito sofrimento e algumas perdas, ela usa o poder da fé para explicar o sucesso de se manter “limpa”. “Sei que foi a força de Jesus que me tirou das drogas. Sou feliz por ele ter agido na minha vida e me transformado numa nova pessoa”, afirma.
Depois de cinco anos como usuária de drogas, a jovem hoje é uma voluntária com expectativas de uma vida nova e diferente. “Estou noiva, vou casar e continuar o trabalho para ajudar às pessoas a se manterem longe do vício”, contou.
A fé também foi a base para o tratamento de João Alberto Acioli, que depois de uma recaída, encontrou apoio num grupo religioso. Apesar de confirmar que a vontade de usar drogas não passa, o compromisso firmado diante da família e das pessoas por quem se sente responsável são motivos mais que suficientes para mantê-lo firme, e longe da vida que o derrubou há anos. “A vontade nunca passa. Mas não vou decepcionar as pessoas que acreditam em mim e as outras para quem sou exemplo de perseverança. Não quero mais aquela vida pra mim. Tenho fé que vou continuar forte”, afirmou.
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flávia batista