Com tudonahora // plinio lins
Uma das condenações do ex-oficial PM Manoel Francisco Cavalcante “sumiu” de seu prontuário penitenciário e do próprio Sistema de Automação Judiciária (SAJ). Essa condenação, a 19 anos de prisão em regime fechado, ficou de fora (porque não foi encontrada) das contas para unificação das penas de Cavalcante que resultaram no cálculo para concessão do benefício. Se ela fosse incluída, é provável que o condenado não fosse beneficiado neste momento com a prisão semiaberta – que na prática é prisão aberta.
Trata-se da condenação de Cavalcante, em 2007, pelo assassinato, ocorrido em 1999, de Cristóvão Luiz dos Santos, o Tó, um caseiro que trabalhava em uma propriedade de Manoel Cavalcante em Santana do Ipanema. De acordo com o processo, Tó foi executado, a mando de Cavalcante, por Carlos Alberto “Capoeira”, que posteriormente teria sido eliminado como queima-de-arquivo no Pará, para onde fugira.
Em 2007, Cavalcante foi condenado a 19 anos de prisão pelo assassinato de Tó. A sentença foi dada pelo juiz da 9ª Vara Criminal da Capital, Geraldo Amorim. Os advogados de Cavalcante entraram com recurso ao Tribunal de Justiça, mas Geraldo Amorim decidiu também que o condenado não poderia aguardar em liberdade o resultado do recurso. Essa decisão até agora não foi alterada, conforme confirmou o desembargador Bandeira Rios, do TJ, com quem está o recurso da defesa. Ou seja, Cavalcante deveria estar cumprindo a pena de 19 anos, além das outras condenações que tem, enquanto aguardava o julgamento do recurso no TJ.
Mas ocorreu um fato misterioso, confirmado ao Tudo na Hora pelo promotor da Vara de Execuções Penais de Alagoas, Cyro Blatter. Esse processo não foi encontrado no prontuário de Cavalcante no sistema penitenciário, e também não estava, pelo menos até esta sexta-feira (2), no Sistema de Automação Judiciária.
“O Ministério Público não tinha conhecimento dessa condenação”, afirma Cyro Blatter. “Ela não constava do prontuário do preso [Cavalcante] e também não está no SAJ”. Sobre o motivo do sumiço de uma condenação, Blatter disse que não sabe dizer com certeza. “Pode ter sido um problema de informática”.
O promotor disse que, a partir da identificação do desaparecimento de uma condenação, é necessário verificar se outras falhas não existiram, e também saber o motivo de eventualmente terem sido omitidos outros registros do prontuário de Cavalcante.
De qualquer forma, Blatter disse que nesta sexta-feira (2), requereu formalmente ao juiz da Vara de Execuções Penais, José Braga Neto (que concedeu a liberdade as Cavalcante), a imediata expedição de um mandado de prisão para o ex-oficial, por causa da condenação pelo assassinato de Tó. “Se o juiz [Braga Neto] não voltar atrás e mantiver a decisão de deixá-lo nessa situação de liberdade, vamos ao Tribunal de Justiça”, avisou o promotor.
As contas
Segundo Cyro Blatter, para o cálculo de concessão do benefício da prisão semiaberta, foi feita a unificação das penas da Cavalcante.
“A unificação deu um total de 65 anos, em cinco condenações”, explicou o promotor. “Esse total é só das condenações já transitadas em julgado, aquelas que não comportam mais recursos nem apelações. A conta de cumprimento de 1/6 da pena foi feita em cima disso, naturalmente abatendo do resultado o tempo em que o condenado trabalhou na prisão, e chegou-se à conclusão de que ele já fazia jus ao benefício”.
Agora, com o surgimento dessa nova condenação a 19 anos, os cálculos terão de ser refeitos, Cavalcante teria que voltar à prisão para cumprir a sentença de 2007 e será necessária uma busca cuidadosa para identificar novos possíveis “sumiços”.
Julgamento em outubro
Cavalcante ainda tem que se submeter a pelo menos mais um julgamento, no Júri Popular, pelo assassinato do cabo Gonçalves, em um posto de combustíveis na Via Expressa, em 1996. O julgamento está marcado para outubro próximo. Cavalcante é réu confesso neste crime, e delatou três deputados como mandantes: João Beltrão, Francisco Tenório (hoje ex-deputado e preso, acusado de outro crime) e Antônio Albuquerque.
Cavalcante tem outra condenação, a 27 anos de prisão em regime fechado, pelo assassinato do motorista Ebson Vasconcelos, o Eto, ocorrido em 2002 no Centro de Maceió. Seus advogados recorreram desta condenação e não há previsão para que o recurso seja julgado. Essa sentença não entrou nos cálculos para a concessão do regime semiaberto para Cavalcante.
"Alagoas é o paraíso"
Cyro Blatter disse que em Alagoas “só existem dois regimes: preso ou solto”. Não há propriamente um sistema de progressão da pena, explica, porque não existe estrutura para cumprimento de regime semiaberto – ele é, de fato, uma prisão domiciliar em que o condenado tem pleno direito de ir e vir, com algumas restrições que não são monitoradas.
“Não é à toa que condenados perigosos de outros estados fazem tudo para cumprir o regime semiaberto aqui em Alagoas”, diz o promotor. “É porque eles sabem que aqui vão ficar soltos, Alagoas é o paraíso, é uma festa para eles”, lamenta. “É também por isso que tantos bandidos perigosos estão à solta no Estado, porque conseguiram o semiaberto e estão em liberdade quase total. Esta é uma das razões da violência por aqui. São cerca de duas mil pessoas nessa situação”.
No exame criminológico, ele é "bonzinho"
No caso de Manoel Cavalcante, indagado pelo Tudo na Hora se o juiz não necessitaria de um parecer do Conselho Penitenciário antes de dar o benefício a Cavalcante, o promotor disse que não. “O Conselho só deve ser ouvido em dois casos: concessão de liberdade condicional e indulto”.
Sobre a necessidade de uma avaliação mais rigorosa do perfil psiquiátrico, social e psicológico do condenado Manoel Cavalcante antes de soltá-lo, dada a natureza dos crimes que cometeu, Cyro Blatter respondeu que “do ponto de vista técnico”, não havia como negar a progressão do regime.
“No exame criminológico ele foi considerado perfeito. Todo mundo diz que ele é bonzinho. Psicólogo, psiquiatra, assistente social, todos se disseram convencidos de que ele só quer voltar para casa, para a família e viver sossegado”, concluiu o promotor.
"Não tem precedente", diz chefe do MPE
O procurador-geral de Justiça, Eduardo Tavares, também demonstrou indignação com a forma como se deu a progressão de pena de Cavalcante.
"Tirar o preso do regime fechado para o regime domiciliar é algo incompreensível e sem precedentes na justiça brasileira", disse Tavares, segundo o site do Ministério Público Estadual.
"Por outro lado, o fato de haver uma prisão provisória decretada em desfavor do ex-coronel deveria impedir a soltura dele. De certo modo, foi uma grande perda para a sociedade alagoana", afirmou o chefe do MPE, alegando esperar que o bom senso prevaleça em torno das providências que estão sendo tomadas pelo promotor Cyro Blatter.