Comemoração de uma trajetória de perseverança, Dona Maria de Fátima Abade Barbosa, de 70 anos, conquistou seu diploma universitário na Universidade Federal de Tocantins (UFNT) ao apresentar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no curso de Licenciatura em Educação do Campo — Artes.
Sua história, que viralizou na internet, revela uma mulher que enfrentou diversas barreiras para realizar seus sonhos. Nascida na zona rural do Tocantins, Dona Maria é uma mulher negra e camponesa, filha de uma quebradeira de coco babaçu, e cresceu em uma vida de simplicidade.
Aos sete anos, iniciou seus estudos, mas abandonou a escola após uma semana, justificando para sua mãe que já havia aprendido o suficiente. Essa decisão, segundo ela, foi uma estratégia para ajudar sua mãe, Laurentina Barbosa, na sustentação de ambas, trabalhando na coleta de babaçu, que ela mesma transformava em materiais e construções no campo.
Após anos dedicados à quebra do coco, as mudanças no uso da terra na região afetaram sua subsistência, levando Dona Maria a buscar novas alternativas. Com isso, ela passou a trabalhar na plantação de arroz em uma fazenda perto de sua comunidade, por meio de contratos de arrendamento, onde recebia uma parte da produção, enquanto o fazendeiro ficava com a maior parte.
Essa fase foi marcada por dificuldades, mas ela não desistiu. Em busca de melhores oportunidades, mudou-se para Brasília. A perda de sua companheira, que ela considerava seu mundo, foi um dos momentos mais dolorosos de sua vida. Após três décadas na capital federal, atuando como empregada doméstica, Dona Maria enfrentou o luto e a saudade, sentimentos que ela classifica como os maiores sofrimentos que viveu.
A sua jornada teve apoio fundamental de familiares e professores. Na infância, sua mãe foi sua maior incentivadora, e no momento de retomar os estudos, uma professora em Goiânia a motivou a ingressar na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em 2018, ao retornar às aulas, Dona Maria conheceu Iara Rodrigues da Silva, uma estudante que, ao ver sua história, decidiu ajudá-la na orientação do TCC.
Essa experiência se tornou um aprendizado valioso para ambas, levando Iara a refletir sobre o papel da educação na transformação de vidas. Muitas profissionais também contribuíram nessa trajetória, como as professoras Lindiane Santana, que atua na área de música, e Mara Pereira da Silva, membros da banca examinadora. Elas reconheceram na história de Dona Maria uma voz para questões de diversidade e inclusão, além de desafiar preconceitos relacionados à idade, raça e origem social. Para Lindiane, a apresentação da ex-aluna ultrapassou os limites acadêmicos, evidenciando uma biblioteca viva de experiências que enriquecem a narrativa de quem busca recontar histórias marginalizadas.
Dona Maria afirma que sua entrada na universidade a fez acreditar mais em seu potencial e nos seus sonhos. Em fevereiro deste ano, ela realizou uma viagem de aproximadamente 2.400 km até o Rio de Janeiro para comemorar seu aniversário de 70 anos na Sapucaí, assistindo à escola de samba Portela, experiência que considera inesquecível.
Essa conquista reforça sua mensagem de que nunca é tarde para sonhar e buscar a realização. Desde criança, ela alimentava o desejo de tocar saxofone, mas as condições financeiras dificultavam essa aspiração.
A oportunidade surgiu na universidade, quando começou a juntar dinheiro catando latinhas e papelão para comprar seu instrumento, inicialmente estimado em R$ 6 mil, valor que posteriormente foi reduzido para R$ 2,5 mil, ao descobrir um fornecedor no Paraguai.
Seu objetivo não é buscar fama ou fortuna, mas usar o saxofone como uma ferramenta para levar esperança a hospitais, abrigos e até unidades prisionais, demonstrando que sonhos podem realmente se tornar realidade, independentemente das dificuldades enfrentadas ao longo do caminho.