O hipocampo era impressionante. Foi assim que a médica Tamar Gefen descreveu uma das estruturas cerebrais que mais a marcaram em sua carreira. Localizado nos lobos temporais e fundamental para a memória, aquele hipocampo chamava atenção pela preservação e pela vitalidade dos neurônios.
Eram grandes, saudáveis e organizados, algo que surpreendia ainda mais diante das experiências traumáticas vividas pela dona daquele cérebro, uma mulher que sobreviveu ao Holocausto e manteve, até o fim da vida, uma memória excepcional.
Gefen integra o Programa de Superenvelhecimento da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, que estuda pessoas com mais de 80 anos capazes de manter desempenho cognitivo semelhante ao de indivíduos décadas mais jovens. Mesmo após a morte desses voluntários, seus cérebros continuam sendo analisados, e o vínculo entre pesquisadores e participantes costuma ser profundo. Muitos desses cérebros vêm sendo utilizados em estudos há mais de 20 anos, resultado de uma relação de confiança construída ao longo do tempo.
Os pesquisadores relatam que, ao decidirem doar seus cérebros, os participantes sabem exatamente quem irá estudá-los e com que finalidade. Para eles, trata-se de uma forma de continuar contribuindo com a ciência mesmo depois da morte, ajudando a compreender por que algumas pessoas envelhecem sem apresentar o declínio cognitivo considerado comum.
A história do programa começou de maneira quase acidental, em meados da década de 1990, quando cientistas analisaram o cérebro de uma mulher de 81 anos que, em vida, não apresentara qualquer sinal de prejuízo funcional. Em testes de memória, seu desempenho era comparável ao de pessoas de cerca de 50 anos. Na autópsia, chamou atenção o fato de haver apenas um emaranhado neurofibrilar no córtex entorrinal, uma região essencial para a memória espacial, episódica e autobiográfica. Para alguém daquela idade, mesmo sem diagnóstico de demência, isso era extremamente raro.
Os emaranhados neurofibrilares são formados por proteínas tau que se acumulam dentro dos neurônios e estão associados ao envelhecimento e à doença de Alzheimer. A descoberta reforçou a ideia de que envelhecer não significa, necessariamente, perder a memória de forma significativa. Esse achado foi um dos principais estímulos para a criação oficial do programa, no ano 2000.
Com o avanço das pesquisas, os cientistas perceberam que nem todos os superidosos estavam livres dessas alterações cerebrais. Alguns apresentavam quantidade de emaranhados semelhante à observada em cérebros com diagnóstico de Alzheimer, mas, ainda assim, mantinham funções cognitivas preservadas. Isso levou os pesquisadores a abandonar a ideia de que apenas a ausência dessas lesões explicaria o envelhecimento cognitivo excepcional.
No programa, são considerados superidosos indivíduos com 80 anos ou mais que alcançam resultados em testes de memória equivalentes aos de pessoas pelo menos 20 ou 30 anos mais jovens. O principal instrumento utilizado é o Teste de Aprendizagem Verbal de Rey, amplamente empregado para avaliar a capacidade de memorizar listas de palavras. A memória episódica foi escolhida como marcador central por ser uma das funções que mais se deterioram no envelhecimento típico.
Os resultados surpreendem até os especialistas. Não é incomum encontrar nonagenários capazes de aprender e recordar grandes volumes de informação nova, enquanto pessoas muito mais jovens enfrentam dificuldades em tarefas cognitivas simples. Para os pesquisadores, isso evidencia que o envelhecimento pode seguir trajetórias muito distintas e que o declínio cognitivo não é inevitável.
Ao analisar imagens cerebrais, os cientistas constataram que os cérebros dos superidosos se assemelham mais aos de adultos de meia-idade do que aos de seus pares etários. O encolhimento cerebral, comum com o avanço da idade, parece ser menos acentuado nesses indivíduos. Estudos mostram que o volume cortical, especialmente em áreas ligadas à memória e à linguagem, permanece semelhante ao de pessoas 20 ou 30 anos mais jovens.
Um achado particularmente surpreendente envolve o giro cingulado anterior, uma região associada à motivação, tomada de decisões, emoções e sociabilidade. Nos superidosos, essa área apresenta espessura cortical maior até mesmo do que a observada em adultos de 50 ou 60 anos considerados neurotípicos.
Análises microscópicas revelaram ainda uma quantidade elevada de neurônios de Von Economo, também chamados de neurônios em fuso, nessa região. Essas células estão associadas a comportamentos sociais complexos e à empatia. Os pesquisadores observaram que muitos superidosos mantêm laços sociais fortes e interesse ativo pela convivência, embora ainda não esteja claro se essa sociabilidade é causa ou consequência das diferenças neuronais encontradas.
Outras regiões relacionadas à memória também se destacam. Os neurônios do córtex entorrinal, por exemplo, tendem a ser maiores nos superidosos do que em pessoas da mesma idade. No nível celular, muitos desses cérebros apresentam menos alterações típicas da doença de Alzheimer do que seria esperado para octogenários, nonagenários ou até centenários.
Mesmo quando essas alterações estão presentes, os pesquisadores acreditam que entra em cena um fator crucial: a resiliência. Em alguns cérebros, apesar do acúmulo de proteínas associadas à demência, os neurônios continuam funcionando de maneira eficiente. Compreender o que confere essa resistência celular é uma das grandes questões em aberto.
Outro aspecto relevante envolve a microglia, células responsáveis pela resposta inflamatória e pela limpeza do cérebro. Nos superidosos, a atividade inflamatória dessas células na substância branca parece ser menor ou mais bem regulada, o que pode reduzir danos aos neurônios ao longo do tempo. Além disso, foi observada uma preservação maior da inervação colinérgica, sistema fundamental para processos cognitivos e de memória.
Apesar de tantas descobertas, não existe um perfil único de superidoso. Ao longo dos anos, o programa reuniu participantes com estilos de vida muito diferentes. Alguns seguiram rigorosamente recomendações de saúde, enquanto outros fumaram, beberam, tiveram dietas pouco equilibradas, dormiram mal ou viveram sob estresse intenso. Do ponto de vista médico, muitos não eram mais saudáveis do que outros idosos da mesma idade.
Os pesquisadores destacam que limitações físicas ou motoras não excluem ninguém do estudo, já que essas condições nem sempre se relacionam com a qualidade da memória. Desde o início do programa, cerca de 290 superidosos participaram das pesquisas, e dezenas de cérebros já foram analisados após a morte. Atualmente, mais de uma centena de voluntários segue ativa.
Para os cientistas, ainda não há uma fórmula capaz de garantir um envelhecimento cognitivo excepcional. Recomendações como manter atividade mental, cuidar da saúde cardiovascular, reduzir fatores de risco e preservar vínculos sociais são importantes, mas não asseguram que alguém se tornará um superidoso. A genética, a biologia e fatores ainda desconhecidos desempenham papéis decisivos.
Os próprios pesquisadores alertam para o risco de culpar indivíduos pelo desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. O envelhecimento cerebral é um processo complexo, influenciado por múltiplos fatores que nem sempre estão sob controle pessoal. O objetivo dos estudos não é criar regras rígidas, mas compreender melhor por que alguns cérebros resistem tão bem ao tempo e como esse conhecimento pode beneficiar um número maior de pessoas no futuro.
Em essência, os superidosos mostram que o envelhecimento não segue um único caminho. Seus cérebros desafiam expectativas e reforçam a ideia de que preservar a memória e a capacidade cognitiva até idades avançadas é possível, ainda que os mecanismos exatos por trás desse fenômeno continuem sendo um dos grandes mistérios da neurociência.