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Acidente
01/01/2025 04:00:00

Aumenta o receio de deportação afeta vítimas brasileiras de violência doméstica nos EUA

Medo de represálias e política migratória criam ciclo de silêncio e isolamento entre imigrantes brasileiros

Aumenta o receio de deportação afeta vítimas brasileiras de violência doméstica nos EUA

O temor de serem expulsas ou presas tem provocado um crescimento no silêncio entre brasileiras que vivem nos Estados Unidos e enfrentam abusos domésticos. Organizações civis relatam uma redução significativa nos relatos de violência desde o início da gestão de Donald Trump, com muitas vítimas evitando contato com a polícia, hospitais ou tribunais por medo de repercussões legais.

Com o endurecimento das operações de imigração, mulheres brasileiras que sofrem agressões passaram a temer não apenas seus agressores, mas também a própria solicitação de auxílio. A ameaça de detenção ou deportação transformou a denúncia em um risco, levando muitas a permanecerem caladas.

Esse medo não é novidade, mas sua intensidade intensificou antigos ciclos de violência. Muitos abusos começaram antes da atual política migratória, mas o isolamento social e o silêncio aumentaram, dificultando o acesso às próprias garantias legais.

A crise emocional e o medo constante têm deixado muitas mulheres vulneráveis, enquanto suas possibilidades de buscar ajuda tornam-se mais distantes. Roberta Castello Novo, de 42 anos, atualmente residente em Charlotte, na Carolina do Norte, relata que, durante o relacionamento com o americano Michael, tudo parecia normal.

Conheceram-se por um aplicativo enquanto ela ainda morava em São Paulo. Em março de 2024, ela mudou-se com seus três filhos para os EUA, em uma experiência inicialmente promissora, que durou apenas três meses. Depois disso, o marido começou a exercer controle absoluto: confiscava o dinheiro obtido com trabalhos de limpeza, cancelava o cartão de crédito, vigiava suas compras e até limitava a alimentação das crianças.

Durante uma viagem à Flórida, o primeiro conflito público ocorreu no aeroporto. Pouco tempo depois, Michael decidiu transferir a família para Utah, onde a situação se agravou: humilhações diárias, restrições financeiras, esconder as chaves do carro e uma moradia improvisada em um porão úmido.

Os filhos passaram a demonstrar medo, escondendo-se ao ouvir o som do carro do pai chegar. Roberta buscou ajuda psicológica ao perceber que sua saúde mental se deteriorava e que os riscos de violência contra ela e seus filhos aumentavam. A psicóloga Daiane orientou que ela registrasse vídeos das agressões e insultos. Sem uma rede de apoio no país, ela contou com o auxílio voluntário de Luciana Hall, da HOPE Institute, que atua na assistência a vítimas de violência doméstica em diferentes estados.

Na noite de 31 de dezembro de 2024, sob forte neve, Roberta decidiu fugir com as crianças, com o apoio da organização, que providenciou abrigo emergencial e alimentação. Em um aparelho eletrônico, ela descobriu que o ex-marido já procurava por novas brasileiras usando aplicativos de relacionamento.

Depois de enfrentar dívidas, problemas escolares para os filhos e várias audiências judiciais, conseguiu obter uma ordem de proteção definitiva. Ela recomeçou praticamente do zero, contando com o suporte de brasileiras e voluntários da HOPE para mobiliar seu novo lar.

Com o tempo, passou a administrar uma empresa de limpeza e a valorizar a melhora emocional de seus filhos, além de manter sessões semanais de terapia. Roberta também se voluntariou na mesma organização para ajudar outras mulheres na mesma situação, usando sua própria história como ferramenta de apoio.

Hoje, ela afirma que foi apenas um número entre muitas vítimas, mas que agora encontra força para ajudar outras mulheres a evitarem o que passou. "Eu era só mais uma, mas agora quero fazer a diferença para quem precisa", diz.

Outro caso é o de Ana*, que há anos vive nos EUA e enfrenta uma rotina marcada por violência, medo e impotência. Ela revela que, após a separação, continua sofrendo abusos. Seu ex-companheiro, pai de sua filha de seis anos, sofre de esquizofrenia, bipolaridade e atraso mental. O agressor já foi detido por violência doméstica nos EUA e está sendo procurado no Brasil.

Ana busca ajuda em organizações como Women in Distress e Hope Justice Foundation, mas relata que a proteção ainda é insuficiente. Ela teme que, em uma audiência de mediação, seja forçada a entregar sua filha ao pai. Ela conta que ele tentou enforcá-la várias vezes e quase agrediu uma amiga no parque. Recentemente descobriu que ele é procurado na Justiça brasileira.

Ela veio ao país grávida de sete meses, com promessas de que poderia voltar ao Brasil se quisesse, mas ao nascer, foi informada de que só poderia retornar sozinha, pois sua filha nasceu nos EUA. Após anos afastada de seus demais filhos, conseguiu se separar, mas a violência persistiu. Mesmo com uma ordem judicial que proíbe o pai de levar a criança para outro condado, ele conseguiu fugir com ela, levando a uma advogada que cobra US$4 mil, sem retorno.

Na experiência de Mariana Krasch, brasileira há quase uma década nos EUA, o relacionamento com o novo parceiro foi marcado por sinais de controle e ameaças. Conheceu um americano por meio do Facebook Dating em 2020 e, em poucos meses, casaram-se às pressas, durante a pandemia.

A convivência tornou-se insuportável, culminando na situação onde o marido trancou sua filha de três anos em um quarto escuro, um episódio que marcou o fim do casamento após apenas quatro meses. Ela relata que, antes de fugir, procurou proteção na delegacia, pois o ex-marido ameaçava acusá-la de roubo.

Mesmo sem agressões físicas, ela sofreu ameaças constantes, e a falta de leis específicas para mulheres agravou sua vulnerabilidade. Após esse episódio, Mariana trabalha em uma fábrica de munição há três anos, casada com um colombiano, e pensa em obter a cidadania americana em 2027, embora considere retornar ao Brasil devido à situação econômica e política no país.

Ela destaca que a única saída para escapar do ciclo de violência foi buscar ajuda, principalmente no ambiente escolar e por meio de denúncias. Para ela, o medo de deportação e de perder a guarda das crianças impede muitas mulheres de denunciar, apesar da existência de auxílio gratuito.

A Lei de Violência contra as Mulheres (VAWA) tornou-se uma ferramenta crucial, pois permite a regularização migratória sem necessidade de boletim de ocorrência, o que é fundamental para vítimas de abuso psicológico, controle extremo ou violência física. Entretanto, esse clima de insegurança também atingiu organizações de apoio às brasileiras. O HOPE Institute, fundado em 2024 pela brasileira Luciana Hall, relata aumento na quantidade de denúncias, mas também um crescimento no silêncio.

Quando mulheres brasileiras chegam às instituições, muitas vezes, o medo impede que revelem toda a situação. A barreira linguística é outra dificuldade, dificultando o acesso a ajuda efetiva. A expectativa é ampliar o suporte em 2026, com a abertura de um espaço físico que ofereça abrigo, assistência jurídica e atividades de capacitação, dependendo de financiamento.

Na Flórida, a fundadora do Projeto Vida, Rose Newell, também observa uma redução significativa na procura por ajuda desde 2024, devido ao medo de represálias ou deportação. Ela relata que muitas mulheres estão apavoradas, mesmo com a garantia de proteção legal, e que a resistência de escolas e políticas de proteção tem dificultado ações de denúncia.

Apesar do clima de insegurança, novas iniciativas comunitárias surgem. Em Nova York, o coletivo Entre Fronteiras lançou a campanha 'Justiça e Dignidade para Brasileiras no Exterior' em novembro de 2024, na Biblioteca Brasileira.

A iniciativa reúne profissionais, organizações de apoio, advogadas e grupos de mulheres negras, com o objetivo de fortalecer redes de proteção, ampliar o acesso à informação e combater o isolamento das vítimas.