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Brasil
07/11/2025 02:00:00

Megaoperação: especialistas debatem como enfrentar o crime organizado no Rio de Janeiro

Megaoperação: especialistas debatem como enfrentar o crime organizado no Rio de Janeiro

A megaoperação conjunta das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, batizada de Operação Contenção, foi deflagrada na terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte da capital fluminense. Com cerca de 2.500 agentes mobilizados, a ação se tornou a mais letal da história do estado, deixando 119 mortos — 115 civis e 4 policiais —, segundo informações confirmadas pelas forças de segurança. O episódio reacendeu o debate sobre a forma de enfrentamento ao crime organizado e a necessidade de ações coordenadas entre diferentes esferas do poder público.

Durante a madrugada seguinte à operação, moradores relataram a retirada de dezenas de corpos em uma área de mata do Complexo da Penha. Na manhã de quarta-feira (29), a Praça da Penha amanheceu com fileiras de corpos cobertos por lonas, em uma cena que chocou o país. O governo estadual, entretanto, manteve o número oficial de 64 mortos divulgado no fim da operação. Além das mortes, 81 pessoas foram presas, entre elas Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão, apontado como operador financeiro do Comando Vermelho e braço direito de Edgar Alves de Andrade, o “Doca” ou “Urso”, líder da facção na região.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e o governo do estado, o principal objetivo da megaoperação era conter a expansão territorial do Comando Vermelho e cumprir 100 mandados de prisão contra líderes e integrantes da facção. O dia foi marcado por intensos confrontos e cenas de fuga de criminosos fortemente armados, registradas por drones policiais. Os criminosos também utilizaram tecnologia, chegando a lançar explosivos com o uso de drones. A operação mobilizou helicópteros, 32 blindados e 12 veículos de demolição.

A ação provocou o fechamento de escolas, interrupção de serviços de saúde e alterações em rotas de transporte público. Diante desse cenário, especialistas apontaram falhas no planejamento e na coordenação das forças de segurança. Para eles, o alto número de mortos evidencia a falta de integração entre as esferas federal, estadual e municipal.

José Augusto Leal, presidente do Comitê de Defesa e Segurança da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil, afirmou que a operação foi limitada por envolver apenas forças estaduais e defendeu ações conjuntas de longo prazo, baseadas em inteligência e investigação. Segundo ele, o confronto armado deve ser a última alternativa, por ser a menos eficaz no combate ao crime organizado.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, também destacou a necessidade de uma atuação interfederativa. Para ele, o crime organizado se sofisticou nos últimos anos, exigindo planejamento estratégico e coordenação entre as forças de segurança. Lewandowski citou a Operação Carbono Oculto, deflagrada em 2023, como exemplo de ação articulada bem-sucedida.

O analista Leandro Stoliar afirmou que a operação no Rio careceu de planejamento e classificou as mortes como “desnecessárias”. Segundo ele, sem medidas coordenadas, a polícia “enxuga gelo”, já que as armas usadas pelas facções entram no país por fronteiras e portos que exigem fiscalização federal.

Natália Pollachi, diretora de projetos do Instituto Sou da Paz, defendeu ações preventivas e operações mais bem planejadas, com ambulâncias e equipes médicas de prontidão. Ela também criticou o uso de tiros disparados de helicópteros, que, segundo ela, são imprecisos e aumentam o risco de mortes de civis. Para Pollachi, uma operação com tantas vítimas “não pode ser considerada um sucesso, já que o Brasil não adota pena de morte”.

O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann classificou o crescimento do crime organizado como “assustador” e ressaltou o uso de tecnologia por parte das facções, como drones e comunicação criptografada. Ele defendeu planejamento e inteligência integrados para enfrentar o problema, comparando a situação a uma “guerra” travada dentro do território brasileiro.

O ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel afirmou que as facções deixaram de atuar apenas com o tráfico e passaram a explorar economicamente as comunidades. Para ele, é imprescindível o envolvimento do governo federal, já que o estado do Rio e outros entes da federação “esgotaram suas capacidades de enfrentamento”.

O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou que o Comando Vermelho expandiu-se significativamente nos últimos anos e defendeu o uso de investigações baseadas em inteligência. Ele afirmou que as operações policiais têm caráter pontual e não sustentam o enfrentamento ao controle territorial armado.

Rafael Alcadipani, professor da FGV e especialista em segurança pública, defendeu a criação de uma unidade federal “antimáfia” e disse que a recuperação de territórios dominados por facções é urgente. Para ele, a operação de terça-feira “parece mais um espasmo isolado do que parte de uma política nacional de segurança pública” e, sem articulação e continuidade, “não trará efeitos duradouros”.