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05/11/2025 04:00:00

Riscos econômicos se o Brasil declarar facções criminosas como terroristas

Riscos econômicos se o Brasil declarar facções criminosas como terroristas

A proposta de classificar facções como o PCC e o Comando Vermelho como grupos terroristas reacendeu um debate que ultrapassa o campo da segurança pública e alcança a economia nacional. Embora o objetivo seja dar mais instrumentos ao Estado para combater o crime organizado, especialistas alertam que essa mudança legislativa pode trazer efeitos colaterais severos — inclusive sanções internacionais e instabilidade financeira.

Os projetos que tramitam no Congresso ganharam força após a megaoperação policial no Rio de Janeiro, que resultou em mais de uma centena de mortes e reacendeu a pressão de parlamentares e governadores de oposição para ampliar o conceito de terrorismo na lei brasileira. A proposta, relatada por Nikolas Ferreira (PL-MG), pretende estender a Lei Antiterrorismo de 2016 a milícias e organizações criminosas, permitindo congelamento de bens e investigações conduzidas pela Polícia Federal.

Para os defensores, como o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), autor do texto, a medida facilitaria o bloqueio de recursos, ampliaria a cooperação internacional e reforçaria a capacidade de prevenção contra o crime organizado. No entanto, segundo o pesquisador Roberto Uchôa, da Universidade de Coimbra e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o impacto econômico de tal classificação seria potencialmente devastador. Ele afirma que países como os Estados Unidos tenderiam a seguir a decisão brasileira, incluindo o PCC e o CV em suas listas de grupos terroristas, o que abriria espaço para sanções automáticas contra qualquer empresa, pessoa ou fundo de investimento com suposta ligação com essas facções.

O problema, segundo Uchôa, é a infiltração do crime organizado na economia nacional. Investigações recentes da Polícia Federal apontam que o PCC movimentou mais de R$ 50 bilhões entre 2020 e 2024, utilizando empresas de fachada, postos de combustíveis, padarias e fintechs para lavar dinheiro. Essa conexão com o sistema financeiro torna imprevisível o alcance de possíveis sanções, que poderiam atingir desde pequenos empreendimentos até instituições bancárias de grande porte.

O pesquisador alerta ainda que bastaria a menção de uma empresa em uma investigação para que ela fosse alvo de medidas internacionais, sem necessidade de condenação formal. Isso poderia paralisar setores inteiros da economia, encarecer operações financeiras e afastar investidores estrangeiros receosos de lidar com um país sob o risco de sanções antiterrorismo.

Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas, também vê risco de amplas consequências geopolíticas. Ele ressalta que, caso os Estados Unidos considerem que o sistema financeiro brasileiro — incluindo o Pix ou o Banco do Brasil — tem infiltração de facções designadas como terroristas, poderiam impor bloqueios e restrições severas. Isso afetaria diretamente o comércio exterior, as remessas internacionais e o crédito bancário, com impacto sobre toda a economia.

O cenário internacional reforça essas preocupações. Países como Argentina e Paraguai já anunciaram que adotarão a classificação de narcoterroristas para o PCC e o CV. Nos Estados Unidos, cartéis de drogas como o Sinaloa e o Tren de Aragua foram rotulados como terroristas, o que resultou em deportações e ataques militares sob a justificativa de combate ao terrorismo. Para o relator especial da ONU sobre Direitos Humanos e Contraterrorismo, Ben Saul, esse tipo de legislação costuma abrir caminho para abusos e arbitrariedades, além de criar insegurança jurídica e política.

Assim, embora a proposta tenha apelo político e possa simbolizar um endurecimento contra o crime organizado, especialistas alertam que a sua adoção precipitada poderia colocar o Brasil sob o risco de isolamento financeiro, fuga de capitais e até mesmo bloqueios internacionais — um custo econômico alto demais para uma medida de efeito prático ainda incerto na segurança pública.