A cadeia produtiva de veículos no Brasil está sob ameaça devido a uma potencial escassez de semicondutores, alertam representantes do setor. A crise pode levar à interrupção das linhas de montagem no país, conforme destacou a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
A entidade compara o momento atual a um cenário semelhante ao caos enfrentado durante a pandemia de covid-19 e solicitou ações rápidas do governo federal para evitar um colapso no segmento.
De acordo com a Anfavea, cada automóvel necessita, em média, entre mil e três mil chips. Sem esses componentes, as fábricas não conseguem manter suas produções em funcionamento.
A preocupação aumentou após o governo dos Países Baixos assumir o controle da Nexperia, uma fabricante de semicondutores com participação chinesa, na semana passada.
A medida foi justificada pela China como necessária para proteger a propriedade intelectual europeia e assegurar o fornecimento de chips no continente europeu em situações de emergência.
Na mesma linha, o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) enviou uma carta ao vice-presidente Geraldo Alckmin, reforçando a apreensão.
O documento relata que há reduções "significativas" na disponibilidade de componentes eletrônicos cruciais para módulos de controle, sistemas de injeção e produtos de alta tecnologia utilizados na montagem de veículos leves, comerciais e industriais.
Cláudio Sahar, presidente do Sindipeças, solicitou o apoio do governo, especialmente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Segundo ele, é fundamental que haja gestões diplomáticas e técnicas junto ao governo chinês para garantir a continuidade do fornecimento e a estabilidade da cadeia de produção nacional.
A curto prazo, não há alternativas locais ou regionais que possam suprir a demanda por esses componentes, o que eleva o risco de paralisações nas fábricas brasileiras e de prejuízos no cumprimento de contratos de exportação.
O Mdic reconheceu a crise e afirmou estar em diálogo constante com as empresas do setor. Em nota, o ministério destacou que acompanha os possíveis efeitos das interrupções na cadeia global de semicondutores e trabalha junto à indústria para desenvolver soluções que minimizem impactos financeiros e de empregos.
Especialistas consideram que a situação pode afetar a competitividade do Brasil no mercado automotivo diante do avanço de fabricantes chinesas. Antônio Martins, analista da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta que a escassez de chips pode favorecer as empresas chinesas, que atualmente representam entre 12% e 15% do mercado brasileiro, e que estão ganhando espaço também na Europa, América Latina, Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia. Martins explica que os Estados Unidos resistem à entrada de produtos chineses, impondo tarifas de até 155% sobre eles a partir de novembro.
Segundo ele, o real problema está na dificuldade de manter as fábricas europeias abertas, já que o fortalecimento das empresas chinesas leva ao fechamento de unidades na Alemanha, por exemplo, devido à falta de componentes. Alguns sindicatos na Europa já admitem que suas fábricas podem fechar, não por baixa produção, mas por problemas no fornecimento.
Por sua parte, a BYD e a GWM, fabricantes chinesas, afirmaram ao Correio que seu abastecimento de semicondutores está garantido. A BYD, que produz veículos em Camaçari, na Bahia, destacou que sua estratégia de integração vertical — fabricando internamente a maior parte dos componentes essenciais — assegura o fornecimento contínuo.
Já a GWM, que iniciou operações em Iracemápolis (SP) em agosto, declarou que seu fornecimento não apresenta riscos, pois depende de sua matriz na China. Ambas as empresas não fazem parte da associação Anfavea, reforçando a diversidade de atores no cenário.