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Economia
22/10/2025 10:00:00

Com excesso de petróleo no mundo, navios aguardam compradores em alto-mar

Com excesso de petróleo no mundo, navios aguardam compradores em alto-mar

Mais de 1 bilhão de barris de petróleo estão atualmente acumulados em petroleiros ao redor do mundo, segundo dados da consultoria Vortexa. É o maior volume em trânsito desde 2020, quando a disputa entre Arábia Saudita e Rússia inundou o mercado durante a pandemia de covid-19.

Esse acúmulo reflete o cenário de superoferta que especialistas vinham prevendo há meses. O aumento da produção global, somado à desaceleração da demanda, está provocando uma saturação que começa a pressionar produtores e países exportadores, ao mesmo tempo em que mantém os preços de combustíveis mais baixos para os consumidores.

A China vinha mascarando parte desse excesso ao comprar grandes volumes para suas reservas estratégicas, mas o ritmo de compras diminuiu. Com isso, cargas vindas do Oriente Médio começam a enfrentar dificuldades para encontrar compradores. Os preços internacionais caíram para o menor patamar em cinco meses, próximos de US$ 60 por barril, e grandes operadores esperam novas reduções.

“Nos últimos 12 meses, sabíamos que esse excedente estava chegando. Agora ele realmente está se concretizando”, afirmou Ben Luckock, chefe global de petróleo da Trafigura Group, durante evento em Londres.

O novo ciclo de abundância pode representar alívio para os consumidores após anos de inflação, mas cria um problema para produtores de xisto nos Estados Unidos e para países da Opep, especialmente a Arábia Saudita, que enfrenta déficits orçamentários.

A Agência Internacional de Energia (AIE) vinha alertando sobre o avanço da oferta. Novos barris oriundos de países como EUA, Brasil, Canadá e Guiana devem superar o crescimento da demanda global, que vem perdendo força com o avanço dos veículos elétricos na China.

O desequilíbrio se agravou em abril, quando a Arábia Saudita e aliados da Opep decidiram retomar a produção ociosa em ritmo mais rápido do que o previsto, buscando recuperar participação de mercado. De acordo com a AIE, os estoques mundiais vêm crescendo cerca de 1,9 milhão de barris por dia neste ano, e o volume de petróleo em trânsito pode ser sinal de uma acumulação ainda maior em 2026.

Esse aumento decorre, principalmente, da reversão dos cortes voluntários feitos em 2023 por oito países da Opep+. “Esses acréscimos acontecem em um cenário de demanda modesta”, explicou Toril Bosoni, chefe de mercados de petróleo da AIE.

O JPMorgan Chase projeta um excedente médio diário de 2,3 milhões de barris em 2026, enquanto a Agência de Informação sobre Energia dos EUA estima 2,06 milhões.

Mesmo assim, os preços se mantiveram relativamente estáveis durante grande parte do ano, com o Brent em média a US$ 70 por barril entre janeiro e setembro. Analistas apontam que o principal fator foi o acúmulo de estoques na China, o que reduziu o impacto nos centros de armazenamento ocidentais, como Cushing, em Oklahoma. Tensões geopolíticas, como o ataque dos EUA a instalações iranianas, também contribuíram para sustentar as cotações.

“A realidade é que o excesso não ficou no Ocidente; ele foi absorvido pela China”, afirmou Russell Hardy, CEO da Vitol Group. “Mas a oferta voltou a crescer à medida que a Opep amplia sua produção.”

Com o avanço do excesso, exportadores do Oriente Médio, como Emirados Árabes Unidos e Catar, enfrentam dificuldades para negociar carregamentos previstos para novembro. Algumas cargas foram vendidas com atraso e outras seguem sem destino.

O mercado também mostra sinais de inversão. Em abril, os contratos de entrega imediata eram os mais caros — situação chamada de backwardation, que indica escassez. Agora, a curva de preços mostra o padrão oposto, conhecido como contango, quando a entrega imediata vale menos, sinalizando abundância.

Nos Estados Unidos, os estoques cresceram por três semanas seguidas, atingindo o maior nível sazonal desde 2023. Operadores estão buscando garantir espaço de armazenamento, o que reforça a expectativa de acúmulo.

Se o ritmo continuar, o mundo pode atingir um excedente de quase 4 milhões de barris por dia em 2026, segundo a AIE. Ainda assim, o mercado de petróleo costuma ser volátil, e muitos analistas acreditam que o excesso pode ser menor. A EIA prevê que o crescimento da produção americana deve estagnar no próximo ano, o que poderia equilibrar o mercado.

Alguns países da Opep+ também não têm conseguido aumentar a produção conforme prometido, o que pode levar o grupo a rever sua estratégia se os preços caírem demais. Restrições impostas por Donald Trump às compras indianas de petróleo russo também podem apertar o balanço de oferta e demanda.

Empresas de comércio global, como Gunvor e Vitol, acreditam que os preços podem cair temporariamente para a faixa de US$ 50 em 2026, antes de voltarem a subir para cerca de US$ 60 em seguida.

“O discurso predominante é de pessimismo”, afirmou Ryan Lance, CEO da ConocoPhillips. “Mas, observando o mercado físico, não é isso que se vê.”

Mesmo que o excesso não atinja as projeções mais alarmistas, o mercado passa por uma mudança significativa. “Estamos entrando em uma nova fase”, disse Torbjorn Tornqvist, CEO da Gunvor Group. “Desta vez, há fundamentos mais sólidos para acreditar em um cenário de superoferta.”