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Especial
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Inovação Brasileira Pode Ajudar a Preservar Jumentos no Semiárido Nordestino

Pesquisa Acadêmica busca alternativas sustentáveis ao abate massivo desses animais devido à alta demanda chinesa por um remédio tradicional

Inovação Brasileira Pode Ajudar a Preservar Jumentos no Semiárido Nordestino

Um projeto pioneiro no Brasil visa desenvolver uma solução científica que possa evitar a extinção dos jumentos na região Nordeste, diante do risco crescente causado pela busca internacional por pele de animais utilizados na fabricação de ejiao, uma substância milenar da Medicina Tradicional Chinesa (MTC).

Representantes de diversas universidades federais do país se uniram para enfrentar esse desafio, que tem provocado uma diminuição drástica na população de equinos na África, na Ásia e também no Brasil. Desde 2018, mais de 248 mil exemplares de jumentos foram mortos na Bahia, estado que possui atualmente a maior concentração do animal na América do Sul, chegando a 90% da população regional.

O consumo mundial do colágeno extraído dessas peles alimenta uma indústria que movimenta bilhões de yuans na China, tornando-se uma questão de preocupação ecológica e ética. Como alternativa, uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) promete fabricar colágeno de jumento em laboratórios, utilizando tecnologia de ponta de agricultura celular, que envolve o cultivo de células em biorreatores. A expectativa é que, até o final de 2026, os primeiros resultados possam ser apresentados.

Este avanço foi apresentado durante o 13º Congresso Mundial de Alternativas e Uso de Animais na Ciência (WC13), realizado no Rio de Janeiro em setembro, destacando-se como uma esperança para reduzir a necessidade de abate dos animais e promover a preservação da espécie.

De acordo com a especialista Carla Molento, doutora em zootecnia e coordenadora do Laboratório de Bem-Estar Animal da UFPR, essa técnica de produção de colágeno, ainda em fase experimental, consiste em inserir o DNA do animal em microrganismos geneticamente modificados. Esses microrganismos, ao se multiplicarem, produzirão o colágeno idêntico ao do jumento, o que possibilitará abastecer o mercado sem a necessidade de matar os animais.

Embora o método seja promissor, Molento destaca que a tecnologia ainda levará tempo até estar operacional em nível industrial, pois requer estudos de escalonamento, otimização de custos e aprovação regulatória internacional, especialmente na China, maior consumidor desse produto.

O projeto conta com financiamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e da Fundação Araucária do Paraná, além de uma colaboração com a Universidade de Wageningen, na Holanda. Essa iniciativa busca oferecer uma alternativa ética ao abate massivo, que, segundo a ONG internacional The Donkey Sanctuary, resultou na matança de aproximadamente 248 mil jumentos na Bahia entre 2018 e 2024.

A situação de risco se estende além do Brasil, afetando também o continente africano, onde, em 2024, o comércio de pele de jumento foi proibido por uma decisão da União Africana, que estabeleceu uma moratória de 15 anos para o abate. Essa medida buscou proteger a espécie, considerada símbolo cultural e histórico na região, onde os jumentos têm papel importante na história e na economia local, auxiliando na agricultura, transporte e outras atividades tradicionais.

Segundo especialistas, o aumento na demanda pelo ejiao também impacta a relação social com os animais, que são considerados símbolos de resistência e história em muitos países em desenvolvimento. Ainda assim, o crescimento da indústria chinesa não tem trazido benefícios econômicos significativos às comunidades locais, pois a maior parte do lucro fica na China, enquanto o Brasil e outros países perdem recursos e enfrentam problemas ambientais e sanitários decorrentes do abate ilegal e do transporte irregular.

Existem atualmente propostas legislativas no Brasil para banir o abate de cavalos, mulas e jumentos, uma prática permitida desde 1984, mas que encontra resistência de setores de defesa animal. No entanto, o avanço da pesquisa científica brasileira, apoiada por fundos públicos, visa criar uma alternativa sustentável e ética ao uso dos animais para fins comerciais, promovendo sua reintegração na cultura e economia locais. Os estudos também consideram o potencial de uso do leite de jumenta e o desenvolvimento de vacinas, ampliando o espectro de aplicações biotecnológicas.

Para o professor Pierre Barnabé Escodro, da Universidade Federal de Alagoas, a união das instituições acadêmicas foi motivada por tragédias envolvendo a morte de centenas de jumentos por fome, em Canudos, Bahia, em 2019. Essas experiências reforçam a necessidade de ações integradas que envolvam legislação, pesquisa e conscientização social para garantir a preservação da espécie, que é parte do patrimônio cultural brasileiro.

Apesar dos avanços, a implementação de medidas concretas ainda enfrenta obstáculos, incluindo a resistência de grupos protetores de animais, a burocracia regulatória e a complexidade de modificar uma cadeia produtiva que depende do tempo de gestação dos animais, de até um ano, e que leva anos para que eles estejam aptos ao abate. Especialistas enfatizam a importância de um censo confiável e de políticas de controle populacional que evitem o crescimento desordenado e a necessidade de captura e abate futuros.

Por fim, a questão ética e social da preservação da espécie permanece central, com muitos defendendo que o Brasil deve apoiar a União Africana e outras entidades na busca por alternativas que respeitem o bem-estar animal, promovendo a cultura local e protegendo uma raça que acompanha a história do continente há quase sete mil anos.