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História
12/10/2025 07:00:00

A revista em quadrinhos que transformou a leitura infantil no Brasil há 120 anos

A revista em quadrinhos que transformou a leitura infantil no Brasil há 120 anos

Há exatos 120 anos, em 11 de outubro de 1905, surgia nas bancas do Rio de Janeiro uma novidade que encantou o público infantil e mudou o modo como as crianças brasileiras se aproximavam da leitura. Era O Tico-Tico, considerada a primeira revista de histórias em quadrinhos do país.

Em meio aos jornais tradicionais da época, a publicação se destacava por ser ilustrada e voltada exclusivamente ao público infantil — uma ideia moderna e pioneira. Segundo o cartunista e jornalista José Alberto Lovetro, o JAL, presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil, a revista foi uma das primeiras do mundo nesse formato e teve papel fundamental na criação do hábito de leitura entre as crianças. “Ela conseguiu entrar nas escolas e formar leitores, abrindo caminho para artistas como Mauricio de Sousa e Ziraldo”, afirma.

O logotipo da revista foi criado pelo renomado desenhista ítalo-brasileiro Angelo Agostini, e a publicação rapidamente conquistou o público com suas histórias, personagens e passatempos. A proposta era criar um espaço literário voltado para a infância, algo inédito no Brasil do início do século XX.

De acordo com a jornalista Sonia Bibe Luyten, criadora da primeira gibiteca do país, o cabeçalho da revista — com crianças brincando entre as letras do título — transmitia a ideia de pureza e alegria. O Tico-Tico se apresentava como “o jornal das crianças” e tinha o propósito de “divertir, estimular e ser útil às petizadas do Brasil”, como dizia o editorial da primeira edição.

A pedagoga Cíntia Borges de Almeida, da Universidade Estadual de Santa Cruz, destaca que a revista teve papel importante na expansão da imprensa e da cultura letrada no país. “O Tico-Tico cumpriu um papel educativo, mesmo que informal, ajudando no processo de alfabetização em uma época de alto analfabetismo”, explica.

O jornalista Roberto Elísio dos Santos, coautor do livro O Tico-Tico — 100 Anos, ressalta que a publicação abriu o mercado para outras revistas do gênero, especialmente voltadas a crianças de famílias mais abastadas, que já sabiam ler ou estavam em fase de alfabetização. “Era um presente de Natal muito comum entre as famílias”, lembra.

A ideia da revista partiu do jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva, inspirado em publicações infantis francesas. Colorida e moralista, a revista trazia histórias que buscavam ensinar valores e comportamentos. Segundo a pesquisadora Maria Cristina Merlo, da USP, embora não fosse exclusivamente uma revista de quadrinhos, O Tico-Tico ajudou a popularizar o formato no país.

A publicação era produzida pela mesma editora responsável por O Malho, revista de humor e sátira política criada em 1902, o que garantiu uma grande estrutura gráfica e editorial. Essa base fez com que os 10 mil exemplares da primeira edição se esgotassem rapidamente, forçando uma reimpressão. Em seu auge, chegou a vender 100 mil exemplares por semana.

O sucesso também se deveu aos personagens marcantes, alguns criados no Brasil e outros adaptados do exterior. O mais popular deles foi Chiquinho, uma versão brasileira — e inicialmente plagiada — de Buster Brown, personagem americano de Richard Felton Outcault. Com o tempo, Chiquinho ganhou características brasileiras e virou símbolo da revista, acompanhado por Benjamin, um menino negro, e seu cão Jagunço.

Além das criações nacionais, a revista apresentou ao público brasileiro ícones internacionais como Mickey Mouse, que estreou em 1930 sob o nome de Ratinho Curioso, depois rebatizado de Camondongo Mickey. Popeye também apareceu, chamado de Brocoió, e o Gato Félix foi outro sucesso trazido de fora.

Entre os artistas brasileiros que brilharam nas páginas de O Tico-Tico estava J. Carlos, que criou Lamparina, uma menina negra de temperamento travesso, e o caricaturista Luiz Sá, autor do trio Reco-Reco, Bolão e Azeitona. O estilo de J. Carlos, marcado pelo art déco, influenciou toda uma geração de ilustradores.

A revista também sabia como conquistar os pais, responsáveis por comprar as edições para os filhos. Colorida, educativa e com conteúdo moralizante, ela oferecia às famílias a sensação de que estavam incentivando uma leitura saudável e formadora. “Essas revistas eram a televisão da época. A leitura era o brinquedo das crianças”, observa Lovetro.

O Tico-Tico circulou regularmente até 1962 e depois passou a ser publicado esporadicamente, em edições especiais de cunho educativo. Mesmo nas últimas décadas, manteve sua proposta pedagógica, com seções de literatura, geografia e história voltadas ao uso escolar.

Com o tempo, o modelo da revista foi ficando datado e perdeu espaço para novas publicações e mídias, encerrando suas atividades em 1977, após mais de sete décadas de existência. Ainda assim, deixou um legado duradouro na formação de leitores e na história dos quadrinhos no Brasil.