Um representante da indústria de tecnologia nos Estados Unidos revelou ao US Trade Report que o sistema brasileiro Pix estaria criando condições de competição desequilibradas, ao passo que uma autoridade do setor financeiro americano solicitou que a entidade que representa Visa e Mastercard intercedesse junto às autoridades brasileiras. Essas declarações surgem em meio a uma crescente disputa comercial, na qual o governo Donald Trump intensificou suas ações contra o Brasil.
A plataforma de pagamentos instantâneos Pix, que vem conquistando cada vez mais espaço na rotina de brasileiros, é vista por empresas de cartões de crédito, como Visa e Mastercard, como uma ameaça ao seu modelo de negócios e tem sido alvo de investigações por parte do governo norte-americano por supostas práticas comerciais injustas, segundo fontes de Washington.
Por Martha Beck, Andrew Rosati e Beatriz Amat 22 de setembro de 2025 | 09h07 Os mercados financeiros refletem essa tensão, com o Ibovespa caindo 0,10%, fechando em 146.284,39 pontos; o dólar subindo 0,49%, cotado a 5,31 reais; a Nasdaq com leve alta de 0,02%, atingindo 22.578,15 pontos; e o Bitcoin valorizando-se 1,68%, negociado a US$ 113.898,64.
De acordo com a Bloomberg, as empresas de cartões de crédito fortaleceram sua posição ao passarem a apoiar uma possível regulamentação mais rigorosa ao Pix, alegando que o sistema brasileiro possui uma vantagem competitiva injusta e que, se o governo dos EUA aceitar tais argumentos, poderá estabelecer padrões de segurança mais altos para o sistema de pagamentos do país sul-americano. Caso isso aconteça, seria uma vitória para as corporações do setor de cartões e um golpe na tecnologia de pagamento que o Brasil vem consolidando.
Durante anos, Washington ignorou as reclamações brasileiras contra o Pix, criado pelo Banco Central, que ganhou destaque após o início das ações comerciais do governo Trump na região.
A ofensiva ganhou força quando o ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado por planejar um golpe, levando o governo Trump a apoiar aliados locais e a iniciar uma campanha contra o sistema brasileiro.
O Pix, utilizado por milhões diariamente para pagar contas públicas, vendedores ambulantes e agora substituindo transações com cartão, tornou-se um símbolo de soberania brasileira diante da escalada da guerra comercial promovida pelos EUA.
O esforço de conquistar o mercado de transações digitais no Brasil reflete uma disputa global por controle de taxas e dados, com modelos apoiados pelo Estado, como o sistema indiano UPI, demonstrando maior velocidade na substituição de cartões tradicionais em escala doméstica.
O sistema russo Mir também viu seu uso disparar após sanções impostas pelos EUA e a retirada de Visa e Mastercard em 2022, uma resposta à pressão americana que acabou fortalecendo alternativas locais, segundo analistas. Richard Crone, especialista em pagamentos de São Francisco, alerta que cada 1% de diminuição na utilização de cartões de crédito gera uma redução de US$ 200 milhões em taxas de transação, expectativa que se agravará com a introdução de pagamentos por inteligência artificial e recursos relacionados ao Pix, como o Pix Parcelado e o Pix Automático.
Embora essas inovações possam substituir parcialmente os cartões tradicionais, a preferência dos brasileiros por cartões de crédito permanece alta, beneficiando-se de vantagens como acesso a salas VIP e programas de milhagem, com o número de cartões emitidos passando de 239 milhões em 2020 para 510 milhões em 2024, segundo dados do Banco Central.
A recente condenação de Bolsonaro na Justiça brasileira, que o sentenciou a mais de 27 anos de prisão por tentativa de golpe após as eleições de 2022, já motivou sanções do governo Trump contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.
As investigações do USTR, que podem durar de seis a 12 meses, servem como uma possível retaliação caso as tarifas impostas pelo governo brasileiro sejam rejeitadas no tribunal, o que tem causado preocupação no país. Contudo, a estratégia dos EUA tem se mostrado contraproducente, ao fortalecer a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em discursos recentes, criticou as ações de Trump e alertou que o domínio do Pix poderia levar ao desaparecimento dos cartões de crédito tradicionais, sinalizando uma resistência brasileira às pressões externas.
Lula destacou que o Pix, lançado em 2020, foi fundamental para ampliar a inclusão financeira, reduzir a dependência de dinheiro físico e impulsionar o comércio eletrônico, beneficiando também empresas americanas no processo. O ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defende que o sistema promove concorrência e não prejudica as empresas estrangeiras, ressaltando que o governo brasileiro não visa lucro com o Pix, que é mantido com recursos públicos.
A Visa acompanha a investigação do USTR e busca fortalecer a cooperação internacional em pagamentos digitais, enquanto a Mastercard ainda não se pronunciou. No cenário global, outros sistemas como o indiano UPI e a plataforma russa Mir ilustram como a interferência estatal pode impulsionar alternativas locais, às vezes em detrimento de interesses americanos, inclusive com o uso de sanções e restrições comerciais.
Richard Crone reforça que cada mudança de 1% na preferência por cartões de crédito pode reduzir de US$ 200 milhões a US$ 400 milhões em taxas globais, uma cifra que deve aumentar ainda mais com o crescimento de pagamentos autônomos por inteligência artificial, que já contam com recursos como o Pix Parcelado e o Pix Automático.
Segundo Daniel Alvarenga, advogado de fintechs ligado ao Banco Central, essas funcionalidades podem vir a substituir parcialmente os cartões tradicionais, embora o Brasil continue valorizando os benefícios associados aos cartões de crédito, como acesso às salas VIP e programas de fidelidade, cujo número de emissões cresceu drasticamente nos últimos anos. Por fim, a tensão diplomática entre os dois países está longe de se resolver, já que o Brasil prepara uma resposta às sanções americanas, enquanto as investigações e as disputas comerciais continuam a moldar o cenário econômico e político da região, com Lula e Bolsonaro como protagonistas dessas dinâmicas.