No dia em que completou oito anos, em novembro de 2012, a vida de Charlie Drury mudou radicalmente. A festa seguia com tudo que uma criança sonha — bolo, presentes e brincadeiras — até que sua mãe, Kate Drury, notou algo fora do comum. O menino começou a piscar de forma estranha, passou a cheirar repetidamente as mãos e, em seguida, apresentou febre.
Preocupada, Kate o levou a uma clínica próxima à casa da família, em Illinois, nos Estados Unidos. O diagnóstico inicial foi de faringite estreptocócica, uma infecção de garganta provocada por bactérias. Mas o que parecia simples logo se transformou em algo mais grave.
Nas semanas seguintes, Charlie piorou. Tornou-se tão sensível a odores que a mãe precisou parar de cozinhar. Desenvolveu ansiedade intensa de separação, recusava o contato físico, não dormia, deixou de se alimentar e passou a rejeitar banhos. Seu comportamento ficou agressivo, arremessando objetos, apresentando alucinações e dificuldades para ler e escrever. Para Kate, era como se tivesse perdido o filho de um dia para o outro.
Após mais de um mês de incertezas, veio o diagnóstico: “transtornos neuropsiquiátricos autoimunes pediátricos associados a infecções estreptocócicas”, conhecidos como Síndrome de Pandas. Hoje, com 20 anos, Charlie precisa de tratamentos regulares de troca de plasma e deve depender deles pelo resto da vida.
A síndrome se manifesta de forma repentina, com tiques ou sintomas semelhantes ao transtorno obsessivo-compulsivo, acompanhados de mudanças bruscas no comportamento e até regressão em habilidades já adquiridas. Os números variam, mas estima-se que a cada ano uma em cada 11.800 crianças desenvolva o Pandas ou a Síndrome Neuropsiquiátrica de Início Agudo Pediátrico (Pans), considerada uma condição relacionada. Mais frequente em meninos, costuma aparecer antes da puberdade.
Descrita oficialmente nos anos 1990 por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, a síndrome tem origem numa resposta autoimune equivocada. Em alguns casos, os anticorpos produzidos contra a bactéria estreptococo atacam também tecidos saudáveis do corpo e conseguem alcançar o cérebro, causando inflamação em áreas como os gânglios da base, fundamentais para o controle motor, decisões e comportamento.
Nem todos os especialistas concordam com essa explicação, mas estudos já encontraram sinais de inflamação no cérebro de crianças com Pandas, reforçando a ideia de que não se trata apenas de um problema psicológico. Mesmo assim, muitos médicos ainda resistem em reconhecer a doença, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento.
Quando o atendimento acontece cedo, antibióticos, corticoides e anti-inflamatórios podem trazer melhora significativa. Em casos graves, terapias como imunoglobulina intravenosa e troca de plasma são utilizadas, embora os resultados ainda dividam a comunidade científica. Enquanto alguns estudos demonstraram eficácia, outros apontaram a necessidade de mais pesquisas rigorosas.
Relatos de famílias reforçam tanto as dificuldades de acesso a cuidados adequados quanto a gravidade da condição. Kate Drury, por exemplo, chegou a pagar milhares de dólares pelo primeiro tratamento do filho com imunoglobulina, que segundo ela “o trouxe de volta”. A luta levou à aprovação da Lei Charlie em Illinois, que obriga planos de saúde a cobrir terapias para Pandas e Pans, mas a garantia do tratamento ainda enfrenta obstáculos.
Outro caso marcante é o de Lulu Johnson, de Nova Jersey. Antes uma menina saudável e cheia de sonhos, ela desenvolveu sintomas súbitos em 2019, aos 11 anos, após uma infecção por estreptococos. Lulu passou por diversas internações, recebeu diagnósticos tardios e enfrentou dificuldades para conseguir atendimento adequado. Morreu em 2021, depois de dois anos de sofrimento. Seus pais, em homenagem à filha, criaram um fundo para financiar pesquisas e doaram seus tecidos ao Banco de Cérebros da Universidade de Georgetown, dedicado a estudar doenças neuroimunes.
Apesar do reconhecimento da condição por entidades como a Organização Mundial da Saúde, o ceticismo ainda existe. Em 2025, a Academia Americana de Pediatria classificou o Pans como um diagnóstico “provavelmente válido”, mas destacou a falta de consenso e de marcadores definitivos para confirmar a doença.
Enquanto pesquisadores buscam compreender melhor os mecanismos do Pandas, identificar biomarcadores e desenvolver novas formas de tratamento, famílias seguem enfrentando jornadas dolorosas em busca de cuidados. Para muitas delas, a doença mostra como algo aparentemente banal, como uma infecção de garganta, pode desencadear transformações devastadoras na vida de uma criança.