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Leitura de Domingo
07/09/2025 12:00:00

O que odores corporais revelam sobre a saúde — e como podem ajudar a diagnosticar doenças

O que odores corporais revelam sobre a saúde — e como podem ajudar a diagnosticar doenças

Quando ouviu falar de uma mulher que dizia sentir o cheiro do mal de Parkinson, a química Perdita Barran achou improvável. Imaginou que fosse apenas associação com sinais da idade. Mas a escocesa Joy Milne, hoje com 75 anos, provou o contrário. Ela percebeu um novo odor almiscarado em seu marido anos antes de ele receber o diagnóstico da doença. Mais tarde, ao frequentar reuniões de pacientes em Perth, sua cidade natal, constatou que todos apresentavam o mesmo cheiro.

Intrigado, o neurocientista Tilo Kunath, da Universidade de Edimburgo, decidiu testar a sensibilidade de Milne. Em 2012, ela foi convidada a cheirar 12 camisetas: seis usadas por pacientes com Parkinson e seis por pessoas sem a condição. Ela acertou todos os diagnósticos e ainda identificou um indivíduo que só foi diagnosticado com a doença um ano depois. A experiência rendeu manchetes em 2015 e chamou atenção para o potencial do olfato como ferramenta médica.

O corpo humano libera continuamente odores, que podem refletir alterações metabólicas ligadas a doenças. Pesquisadores estudam biomarcadores olfativos capazes de acelerar diagnósticos em casos que vão de Parkinson a lesões cerebrais e câncer. O físico Andreas Mershin, fundador da empresa RealNose.ai, afirma que sinais químicos já estão presentes no corpo e podem ser detectados antes de exames invasivos. A startup desenvolve um “nariz robótico” que imita a capacidade de superfarejadores, como Joy, ou até de cães, cujo olfato é considerado milhares de vezes mais sensível que o humano.

Algumas condições produzem cheiros reconhecíveis até para quem não tem olfato apurado. Episódios de hipoglicemia em diabéticos podem gerar hálito adocicado, lembrando frutas passadas, devido ao acúmulo de cetonas. Doenças hepáticas podem provocar odor sulfuroso, enquanto insuficiências renais deixam o hálito com cheiro de amônia ou peixe. Infecções também geram marcas olfativas: fezes adocicadas podem indicar cólera, e a tuberculose pode alterar o hálito e a pele, lembrando cerveja estragada e papelão úmido.

Já para detecção precoce de doenças complexas, como câncer, cães têm se mostrado aliados eficientes. Animais treinados conseguem identificar tumores de próstata em amostras de urina com 99% de acerto. Estudos semelhantes também envolvem câncer de mama, pulmão e ovário, além de epilepsia, diabetes e malária. Em laboratório, cientistas tentam reproduzir essa precisão com técnicas como cromatografia gasosa e espectrometria de massa, que permitem mapear compostos específicos relacionados às doenças.

No caso do Parkinson, análises mostraram que cerca de 3 mil compostos da pele diferem entre pessoas com e sem a doença. Entre eles estão lipídios como ácido hipúrico, eicosano e octadecanal. Essas moléculas, excretadas pela pele, podem servir de base para testes rápidos com swab, capazes de detectar a condição ainda em fase inicial, sem necessidade de exames invasivos.

As alterações de odor corporal têm origem nos compostos orgânicos voláteis (COVs), moléculas liberadas pelo metabolismo do corpo. Doenças, infecções ou lesões podem modificar a produção desses metabólitos, gerando novos cheiros. A investigação científica tem mostrado que praticamente todas as condições médicas analisadas apresentam diferenças perceptíveis na liberação desses compostos.

Pesquisas recentes vão além. Cientistas identificaram cetonas específicas na urina de pessoas logo após concussões, sugerindo que o cérebro pode liberar substâncias odoríferas enquanto tenta se recuperar. Outro estudo revelou que crianças com malária exalam um cheiro de frutas e grama que atrai mosquitos, associado à liberação de aldeídos como heptanal, octanal e nonanal.

Combinando biologia e inteligência artificial, a RealNose.ai trabalha em sensores baseados em receptores olfativos humanos cultivados em laboratório, capazes de identificar padrões químicos associados a doenças como o câncer de próstata. O sistema busca interpretar as moléculas de maneira semelhante ao cérebro humano, transformando os sinais químicos em diagnósticos.

Hoje, Joy Milne colabora como consultora nas pesquisas, embora sua capacidade de detecção direta seja usada com cautela devido ao desgaste físico e emocional. Para Barran e outros especialistas, a contribuição de Joy pode deixar um legado duradouro: transformar uma habilidade rara em um recurso acessível para diagnósticos rápidos, precoces e menos invasivos.