Desde 2022, ano da invasão da Ucrânia, navios-tanque da chamada “frota fantasma” russa têm trazido combustíveis ao Brasil, que se tornou um dos destinos mais ativos dessas embarcações sancionadas por Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia. Uma investigação conduzida pela BBC News Brasil durante quatro meses rastreou 36 navios vinculados ao esquema que aportaram em terminais brasileiros, principalmente em Santos e Paranaguá.
A expressão “frota fantasma” é usada por governos e especialistas para se referir a navios que transportam petróleo e derivados da Rússia após as sanções internacionais. Essas embarcações operam com donos ocultos, usam bandeiras de conveniência, desligam sistemas de rastreamento e navegam, muitas vezes, sem seguros adequados. O objetivo é dificultar o monitoramento e driblar restrições impostas ao comércio de combustíveis russos, que financia a guerra contra a Ucrânia.
Como o Brasil não aderiu às sanções, o país se tornou um porto seguro para essas operações. Entre fevereiro de 2022 e junho de 2025, os navios da frota fantasma responderam por 17% do total de combustíveis importados da Rússia. O diesel russo já representa cerca de 60% de todo o volume importado pelo Brasil, o que consolidou Moscou como principal fornecedor externo.
Especialistas alertam para os riscos econômicos, diplomáticos e ambientais. Segundo Alexander Turra, do Instituto de Oceanografia da USP, os navios mais antigos, sem rastreadores ativos e de difícil responsabilização, aumentam a possibilidade de acidentes semelhantes ao vazamento de óleo que atingiu o litoral brasileiro em 2019. Já para Benjamin Schmitt, da Universidade da Pensilvânia, negociar com essas embarcações significa financiar a invasão russa e pode expor empresas brasileiras a sanções dos EUA e da Europa.
A investigação mostra que, mesmo após sanções, ao menos seis navios ligados à frota atracaram no Brasil, o mais recente em julho deste ano. Terminais de Santos, Paranaguá e Suape receberam cargas desses petroleiros. Empresas do setor afirmam que as operações seguiram a legislação nacional, já que o país não está obrigado a cumprir medidas externas. Ainda assim, a possibilidade de retaliações internacionais preocupa analistas.
O surgimento da frota remonta à imposição do teto de US$ 60 por barril de petróleo russo pelo G7. Para contornar a medida e encontrar novos mercados, a Rússia reuniu entre 500 e 600 navios, muitos em más condições. Parte deles passou a abastecer países que, como Brasil, Índia, China e Turquia, não aderiram às sanções.
O fluxo para o Brasil começou no governo Bolsonaro, que buscava alternativas para reduzir o preço dos combustíveis em meio às eleições de 2022. Bolsonaro chegou a anunciar a chegada de navios russos como conquista política. Um deles, o NS Pride, depois rebatizado de Prosperity, acabou incluído em listas de sanções internacionais.
Sob o governo Lula, o comércio continuou. Em visita a Moscou, o presidente ressaltou a importância do diesel russo para o país e manteve o posicionamento de não aderir às restrições. Dados da Antaq mostram que, dos 36 navios sancionados identificados, 29 atracaram no Brasil a partir de 2023.
Apesar da polêmica, autoridades brasileiras afirmam não ter recebido orientação para barrar navios da frota fantasma. Marinha, Receita Federal, Antaq e Polícia Federal confirmam que nunca houve ordem nesse sentido. Portos e terminais, por sua vez, dizem que só seguem as determinações oficiais do governo.
O caso expõe o dilema brasileiro: garantir combustível barato e abundante ou arriscar-se a se tornar alvo de sanções em meio ao conflito geopolítico que envolve Rússia, Ucrânia e potências ocidentais.