Interromper o uso de aspirina logo nos primeiros meses após um infarto agudo do miocárdio não é uma medida segura na maioria dos casos. É o que mostra um estudo inédito conduzido pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Ministério da Saúde por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).
A pesquisa constatou que, embora a retirada do medicamento reduza os episódios de sangramento, ela não garante proteção adequada contra eventos graves, como um novo infarto ou acidente vascular cerebral. Os resultados foram apresentados neste domingo (31/8) durante o Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) e publicados no periódico New England Journal of Medicine, ampliando a presença da ciência brasileira no cenário internacional.
O estudo surgiu diante do dilema sobre manter ou não a aspirina nos primeiros meses de tratamento. Apesar de ajudar a prevenir complicações cardíacas, o fármaco aumenta o risco de sangramentos. O protocolo tradicional após angioplastia com stent inclui a chamada dupla antiagregação plaquetária, formada pela aspirina associada a outro antiplaquetário mais potente. Essa combinação tem como objetivo impedir a formação de novos coágulos no vaso tratado.
“Houve uma tendência de retirar a aspirina ainda nos três primeiros meses, quando tradicionalmente se mantêm os dois medicamentos. Testamos se seria melhor retirar desde o início. E vimos que não é. A retirada aumenta o risco de problemas cardíacos. O mais importante é evitar um novo infarto. Levamos 40 anos para entender como proteger o coração e não podemos abrir mão disso”, afirmou Pedro Lemos, diretor do programa de cardiologia e pesquisador do Hospital Albert Einstein, autor sênior do trabalho.
Para os especialistas, preservar o coração foi o critério principal na pesquisa. Assim, mesmo com os riscos de sangramento, os benefícios da aspirina prevalecem no tratamento de pacientes que sofreram um ataque cardíaco.
O estudo, batizado de NEO-MINDSET, foi desenvolvido integralmente no Brasil sem financiamento da indústria farmacêutica. Contou com mais de 3.400 pacientes de 50 hospitais em todas as regiões do país, todos diagnosticados com síndrome coronariana aguda e submetidos a angioplastia com stent. Durante um ano, os participantes foram divididos em dois grupos: um seguiu com a dupla antiagregação plaquetária, enquanto o outro utilizou apenas um medicamento.
Os resultados mostraram que, no grupo que não utilizou aspirina, 7% dos pacientes apresentaram complicações cardíacas. Já entre os que mantiveram a dupla terapia, a taxa foi de 5,5%. Por outro lado, o risco de sangramentos foi duas vezes maior para aqueles que seguiram com o uso da aspirina.
Apesar de confirmar a eficácia do protocolo tradicional, a pesquisa abre espaço para novas análises, como a identificação de perfis de pacientes que possam se beneficiar de terapias individualizadas e o uso de inteligência artificial para buscar soluções que conciliem eficácia e segurança. “O estudo vai continuar”, ressaltou Pedro Lemos.
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