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Guerra
31/08/2025 04:00:00

A dura jornada de uma grávida em fuga de zona de guerra: 'Rezei para o bebê não nascer'

A dura jornada de uma grávida em fuga de zona de guerra: 'Rezei para o bebê não nascer'

Em maio de 2025, Amira iniciou uma fuga desesperada de En Nahud, no Estado de Kordofan Ocidental, no Sudão, após a cidade ser tomada pelas Forças de Apoio Rápido (RSF), grupo paramilitar que trava uma guerra brutal contra o Exército sudanês há mais de dois anos. Grávida de sete meses, ela não via outra saída: não havia hospitais, farmácias nem transporte seguro, e os poucos veículos disponíveis eram caros e controlados pelos combatentes.

Enquanto fazia a travessia, Amira gravou um diário em áudio, compartilhado com a BBC pela organização internacional Avaaz. Hoje, ela aguarda o nascimento do filho em Kampala, capital de Uganda, mas carrega as lembranças da jornada.

Logo no início, a tensão foi extrema. O motorista do caminhão que levaria a família discutiu com o jovem que havia alugado o veículo. Armado e sob efeito de álcool e drogas, ameaçou atirar diante de dezenas de pessoas. Só recuou após a intervenção de companheiros e familiares do rapaz, que acabou ficando para trás. O caminhão seguiu com 70 a 80 passageiros espremidos entre bagagens, em estradas precárias.

“Eu rezava o tempo inteiro para que o bebê não nascesse. Pedia apenas que tudo terminasse bem”, contou.

A viagem foi marcada por sucessivas quebras de veículos, falta de comida e de água e cobranças em cada posto de controle da RSF, que decidia arbitrariamente preços, lugares e quem podia seguir viagem. Em el-Fula, capital de Kordofan Ocidental, Amira não quis permanecer: além do avanço do Exército, crescia a perseguição a determinados grupos étnicos, entre eles o de seu marido, acusado de ligação com a RSF apenas por origem familiar.

Relatos de execuções sumárias em áreas retomadas pelo Exército levaram a ONU a falar em “evidências confiáveis” de abusos, embora os militares tenham prometido investigações. Já a RSF, acusada de saques e estupros, nega mirar civis e afirma que a violência se limita a disputas tribais. Ambos os lados rejeitam acusações de crimes de guerra.

No caminho, Amira chegou a alugar uma cama improvisada em uma aldeia para descansar e se conectar à internet via Starlink, controlado pela RSF. Mas até isso era perigoso: mensagens, músicas ou vídeos ligados ao Exército poderiam resultar em prisão.

O pior momento veio quando o caminhão estourou um pneu em plena floresta de acácias. Sem água e sem opção de seguir viagem, Amira acreditou que morreria ali mesmo. “Peguei um cobertor, deitei no chão e dormi. Achei que seria o fim.”

Ainda assim, conseguiu alcançar Abyei, na fronteira, e depois seguir em um veículo abarrotado de barris de combustível, atolando várias vezes em estradas cobertas por lama e chuva. Molhada, com roupas destruídas pela poeira e o calor, ela ainda precisava rezar para chegar viva.

Após percorrer cerca de 1.300 quilômetros, Amira e o marido chegaram a Juba, capital do Sudão do Sul, e de lá seguiram de ônibus até Kampala.

Agora em segurança, ela se prepara para ser mãe, mas o alívio é acompanhado de tristeza e ansiedade. “Tenho medo do parto, é meu primeiro bebê e não terei minha mãe comigo. Só meu marido e uma amiga.”

Ativista de direitos das mulheres e pela democracia, Amira participou de iniciativas de assistência em meio à guerra civil. Isso a tornou alvo tanto do Exército quanto da RSF, grupos que, segundo ela, “se diferenciam pouco no tratamento cruel dado à população”.

Enquanto espera pelo nascimento do filho, ela mantém a esperança de um dia voltar ao Sudão, ainda que saiba que o país não será o mesmo. “Espero que a guerra acabe. Nada será como antes, mas pelo menos haverá alguma forma de segurança. As pessoas não morrerão ao acaso, como agora.”