07/10/2025 19:22:24

Mundo
20/08/2025 18:00:00

O ambicioso plano soviético para desviar o curso dos rios da Sibéria com bombas atômicas

O ambicioso plano soviético para desviar o curso dos rios da Sibéria com bombas atômicas

A oeste dos Montes Urais, na Rússia, existe um lago isolado chamado Lago Nuclear. Para alcançá-lo, é preciso navegar pelos rios Kolva e Visherka a partir da cidade de Nyrob e, em seguida, seguir a pé por uma trilha pantanosa cercada por placas que alertam sobre o risco de radiação.

Esse lago surgiu em 23 de fevereiro de 1971, quando a União Soviética detonou três dispositivos nucleares a 127 metros de profundidade, cada um com potência semelhante à da bomba lançada sobre Hiroshima. O experimento, conhecido como “Taiga”, fazia parte de um programa de explosões nucleares pacíficas, cujo objetivo era abrir canais e redirecionar parte das águas dos rios siberianos para o sul da Rússia e a Ásia Central. A intenção era irrigar áreas áridas, aumentar a produção agrícola e até salvar o Mar de Aral, que já sofria com a escassez de água devido à exploração agrícola.

A ideia de inverter o curso dos rios russos existia desde o século 19 e ganhou força com Stalin e, mais tarde, na década de 1970, quando o governo soviético destinou enormes recursos ao projeto. Estimava-se que quase 200 instituições de pesquisa e dezenas de milhares de pessoas estivessem envolvidas nos estudos. O plano previa canais de até 1.500 km, escavados inclusive com centenas de explosões nucleares, capazes de desviar cerca de 10% da água dos rios Ob e Irtysh para o Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão.

Apesar do entusiasmo oficial, as explosões do projeto Taiga foram detectadas até na Suécia e nos Estados Unidos, gerando protestos internacionais e levantando suspeitas de violação do Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares. Dentro da própria União Soviética, cientistas, escritores e intelectuais começaram a se opor ao plano, alertando para os riscos ambientais, sociais e econômicos. O desastre de Chernobyl, em 1986, reforçou as críticas e acelerou o cancelamento do projeto, oficializado por Mikhail Gorbachev meses depois.

Os opositores apontavam consequências potencialmente graves: destruição de ecossistemas, alterações climáticas locais, deslocamento de populações e custos astronômicos, estimados em centenas de bilhões de dólares. Mesmo assim, defensores do projeto continuaram a surgir ao longo das décadas. Em 2008, o então prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov, defendeu a retomada da ideia em um livro. Já em 2025, pesquisadores russos voltaram a argumentar que os avanços tecnológicos poderiam torná-la viável, inclusive como parte da reorientação estratégica da Rússia em direção ao leste após o isolamento internacional.

Alguns estudiosos sugerem que a redução do fluxo de água doce para o Ártico poderia até influenciar o aquecimento global, embora outros alertem que isso aceleraria o derretimento do gelo marinho. Há quem acredite que, no futuro, a China possa se tornar o principal destino dessa água, em função de sua demanda crescente.

O Lago Nuclear, entretanto, permanece como um testemunho físico desse projeto grandioso e fracassado. Embora medições recentes apontem níveis normais de radiação em boa parte da área, ainda existem pontos com radioatividade acima do esperado, mais de meio século após as explosões. Para visitantes como o blogueiro russo Andrei Fadeev, que esteve no local em 2024, a natureza retomou seu espaço, mas o risco invisível continua presente.