A adultização de crianças e adolescentes, fenômeno marcado pela atribuição de comportamentos e responsabilidades típicos da vida adulta a menores de idade, entrou no centro do debate político brasileiro. O tema, que já preocupava especialistas em infância e juventude, ganhou repercussão após denúncias de canais que exploravam imagens sexualizadas de adolescentes para gerar lucro na internet. O caso viralizou após vídeo do influenciador Felca, que ultrapassou 35 milhões de visualizações em menos de uma semana.
Na sexta-feira, um dos principais alvos das denúncias, o influenciador paraibano Hytalo Santos, foi preso na região metropolitana de São Paulo, sob acusações que incluem exploração sexual, tráfico de pessoas e trabalho infantil artístico irregular. Ele reunia adolescentes em uma espécie de reality show, exibido nas redes sociais, em que menores apareciam consumindo bebida alcoólica e em situações de conotação sexual. A Justiça também proibiu que o influenciador mantenha contato com menores e determinou a suspensão da monetização de seus canais.
O escândalo levou o Congresso Nacional a acelerar a criação de um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados para analisar um projeto de lei específico sobre adultização. A iniciativa é apoiada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que pretende dar prioridade ao tema. Projetos já em tramitação, como o do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que prevê punições mais duras para plataformas digitais que permitam a circulação de conteúdos que erotizam crianças, devem servir de base para o debate.
Na Paraíba, a Assembleia Legislativa aprovou nesta semana a chamada “Lei Felca”, que considera adultização qualquer exposição, estímulo ou incentivo para que crianças menores de 12 anos se comportem ou aparentem como adultos. A norma abrange desde o uso de roupas e maquiagens sexualizadas até a participação em conteúdos de cunho erótico, violento ou com incentivo a relacionamentos afetivo-sexuais.
De acordo com a Fundação Abrinq, a adultização pode ocorrer também fora do ambiente digital, quando crianças assumem responsabilidades precoces, como cuidar de irmãos ou contribuir financeiramente com a família. Mas o alerta maior recai sobre a erotização, intensificada pelas redes sociais. Essa prática, segundo especialistas, pode comprometer o desenvolvimento emocional e psicológico, aumentando riscos de ansiedade, depressão e dificuldades de socialização. O Instituto Alana acrescenta que muitas vezes as crianças sequer compreendem a carga sexual de músicas, roupas ou danças que imitam para se sentir aceitas.
O Ministério Público da Paraíba investiga denúncias contra Hytalo desde 2024, motivadas por queixas de vizinhos sobre festas com adolescentes seminuas em sua casa. Promotores também apuram a responsabilidade dos pais, que podem ter falhado em proteger os filhos, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
As plataformas digitais estão sob pressão. O Youtube afirma ter removido, apenas no primeiro trimestre de 2025, mais de 4,6 milhões de vídeos e 124,5 mil canais para proteger crianças, o que representou 54% de todas as remoções no período. Ainda assim, entidades como a Sociedade Brasileira de Pediatria consideram os esforços insuficientes, lembrando que a SaferNet Brasil registrou 53 mil denúncias de abuso e exploração sexual infantil só em 2024.
Com a mobilização política, a expectativa é que novas leis fortaleçam o combate à adultização e que plataformas digitais sejam responsabilizadas com maior rigor por conteúdos nocivos. O caso reacende o debate sobre o papel das famílias, da sociedade e do Estado na proteção integral de crianças e adolescentes.