Mesmo após quase dois anos de guerra, com sua estrutura militar fragilizada e a liderança sob forte pressão, o Hamas mantém um sistema clandestino para remunerar cerca de 30 mil funcionários civis. O esquema movimenta aproximadamente US$ 7 milhões (R$ 37 milhões) e garante que trabalhadores recebam, a cada dez semanas, até 20% do salário original — cerca de US$ 300 (R$ 1.625). A quantia, considerada simbólica diante da inflação, vem gerando insatisfação até entre apoiadores do grupo.
A escassez de alimentos em Gaza, atribuída por agências humanitárias às restrições israelenses, fez o preço da farinha atingir US$ 80 (R$ 430) por quilo. Sem sistema bancário, o pagamento se torna arriscado: distribuidores são alvos frequentes de ataques israelenses. Funcionários recebem mensagens criptografadas com local e hora para “encontrar um amigo para um chá”, onde um emissário entrega um envelope lacrado e desaparece.
Um trabalhador do Ministério de Assuntos Religiosos relatou que se despede da família antes de buscar o salário, temendo não voltar. Outro, professor e único provedor de uma família de seis pessoas, contou que parte do dinheiro recebido está em notas antigas quase inutilizáveis. Muitas vezes, ele tenta trocar a quantia por farinha, mas raramente consegue.
Em março, Israel afirmou ter matado o chefe das finanças do Hamas, Ismail Barhoum, acusado de canalizar recursos para o braço militar do grupo. Ainda assim, fontes indicam que antes do ataque de 7 de outubro de 2023 o Hamas havia acumulado cerca de US$ 700 milhões em espécie e grandes reservas em túneis subterrâneos, administradas por Yahya Sinwar e seu irmão Mohammed, ambos mortos em ações militares.
O financiamento do grupo vem de tarifas de importação, impostos internos, apoio milionário do Catar e recursos do Irã para as Brigadas Al-Qassam, além de contribuição da Irmandade Muçulmana. Durante a guerra, o Hamas também elevou drasticamente o preço de cigarros e continuou a cobrar impostos.
Além dos pagamentos, cestas de alimentos são distribuídas a membros e familiares por comitês locais, o que provoca revolta entre moradores que acusam o grupo de beneficiar apenas seus apoiadores. Israel acusa o Hamas de desviar ajuda humanitária durante o cessar-fogo, algo que o movimento nega, mas que, segundo fontes locais, ocorreu em larga escala.
Entre os críticos, a viúva Nisreen Khaled, mãe de três filhos, questiona: “Eles não são a causa do nosso sofrimento? Por que não garantiram comida, água e medicamentos antes de se lançar na aventura do 7 de outubro?”