O Japão relembra nesta quarta-feira (6) os 80 anos do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, episódio que deixou cerca de 140 mil mortos e marcou profundamente a história do país. O ataque, realizado pelos Estados Unidos em 1945 durante a Segunda Guerra Mundial, ainda impõe consequências sociais a milhares de sobreviventes, que continuam enfrentando estigmas e discriminação.
Três dias após Hiroshima, uma segunda bomba foi lançada sobre Nagasaki, matando aproximadamente 74 mil pessoas. Embora esses ataques tenham contribuído para o fim do conflito, também deixaram sequelas físicas e psicológicas duradouras. Os sobreviventes, conhecidos como hibakusha, sofreram marginalização por décadas, sendo muitas vezes rejeitados em empregos e casamentos devido ao medo da radiação.
Matsuyoshi Ikeda, que tinha apenas 7 anos na época, relata que muitos sobreviventes não conseguiam ser contratados. “As empresas achavam que não éramos confiáveis. Temiam que ficássemos doentes com câncer ou leucemia”, afirmou. As mulheres, por sua vez, enfrentavam resistência para se casar, devido à crença de que poderiam ser inférteis ou gerar filhos com má-formações, como relata Tomoko Matsuo, hoje com 92 anos.
Além do preconceito social, existe também o que os sobreviventes classificam como “discriminação de Estado”. Milhares de pessoas que estavam nas cidades durante os bombardeios não são reconhecidas oficialmente como vítimas, por não estarem dentro do perímetro delimitado pelo governo como zona crítica de radiação. Isso as exclui do acesso gratuito a cuidados médicos especializados. “Mesmo pessoas a dois quilômetros do epicentro foram afetadas”, afirmou o prefeito de Nagasaki, Shiro Suzuki, que pede o fim dessa diferenciação.
A associação Nihon Hidankyo, que reúne os sobreviventes e foi vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2024, reforça esse apelo. Com o envelhecimento da população hibakusha, a demanda por reconhecimento e assistência médica se torna cada vez mais urgente. “Não vou ceder. Continuarei pressionando por uma mudança”, disse o prefeito Suzuki.
Cerimônia dos 80 anos reúne líderes e reforça apelo por desarmamento nuclear
A cerimônia desta quarta-feira em Hiroshima contou com representantes de 120 países e regiões, incluindo a União Europeia. A França foi representada pelo vice-chefe da embaixada, enquanto potências nucleares como China, Rússia e Paquistão não enviaram representantes. O Irã, por outro lado, confirmou presença.
Segundo as autoridades japonesas, todos os países foram apenas notificados, sem convite oficial. Pela primeira vez, Palestina e Taiwan também participaram das homenagens, apesar de não serem reconhecidos oficialmente pelo governo japonês.
Em discurso, o prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, condenou o fortalecimento militar de nações envolvidas em conflitos, como os da Ucrânia e do Oriente Médio, e defendeu o desarmamento. “A presença de tantos líderes aqui reforça a necessidade de um mundo livre de armas nucleares”, declarou.
Hiroshima, hoje com 1,2 milhão de habitantes, mantém o Domo da Bomba Atômica como símbolo permanente da tragédia. Toshiyuki Mimaki, copresidente da Nihon Hidankyo, reforçou a importância do testemunho dos sobreviventes para conscientizar novas gerações e influenciar decisões políticas. “Esperamos que os representantes visitem o Museu Memorial da Paz e compreendam o que houve sob a nuvem em forma de cogumelo.”
No sábado (9), Nagasaki também realizará sua cerimônia, que deverá contar com participação recorde de países. A presença da Rússia está confirmada, sendo a primeira desde a invasão da Ucrânia em 2022. No ano passado, a cidade havia excluído o embaixador de Israel da cerimônia por razões de segurança, o que levou ao boicote dos Estados Unidos.
“Queremos que os visitantes vejam de perto a destruição causada por uma arma nuclear”, declarou um representante da prefeitura de Nagasaki, reforçando o compromisso da cidade com a promoção da paz e o desarmamento global.