Em uma manhã encoberta em Copacabana, um grupo de visitantes explorava ruas e prédios da década de 1940, deixando de lado os tradicionais pontos turísticos do bairro carioca. A caminhada guiada culminava em uma garagem, o destino mais aguardado do passeio.
No subsolo da Galeria Menescal, entre carros estacionados, os participantes se reuniam ao redor da arquiteta Isabella Cavallero. Com um tablet nas mãos, ela exibia a planta de 1943 de um abrigo antiaéreo com capacidade para 964 pessoas, 34 banheiros e uma subestação elétrica com transformadores próprios. Ao redor, não havia vestígios visíveis daquele passado. Os olhares se perdiam entre paredes e vigas em busca de sinais que não existiam mais.
"Essa parede vinha até esse pilar reforçado", explicava Cavallero, apontando para a estrutura que antes compunha o abrigo. "Ali era a entrada planejada. Infelizmente, nada restou que identifique o espaço como um bunker."
Esses abrigos, ou bunkers, começaram a ser erguidos em 1942, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial e temia ataques aéreos ou navais nas cidades do litoral, especialmente no então Distrito Federal. A maioria deles foi construída no Rio de Janeiro, espalhando-se por bairros como Copacabana, Centro, Ipanema, Humaitá e Flamengo.
Desde 2022, Cavallero se dedica a resgatar essa história e já identificou 46 edifícios com abrigos na cidade, um deles nunca construído. Ela promoveu visitas guiadas para apresentar essas construções esquecidas, revelando uma camada urbana pouco conhecida até mesmo pelos cariocas.
A Galeria Menescal, prédio tombado desde 2007, abriga o maior bunker identificado até hoje em construções civis da cidade. No entanto, quem passa por ali não imagina que sob seus pés existiu um abrigo preparado para resistir a bombardeios.
"Estamos acostumados a observar a superfície da cidade, mas há muita história escondida debaixo dela", afirma Cavallero.
Segundo o síndico da galeria, Klaus Scheyer Junior, não há planos de sinalizar o antigo abrigo na garagem, pois placas podem ser encobertas pela fuligem. A ideia em estudo é instalar um QR code na entrada do prédio, permitindo acesso a imagens e informações sobre o espaço. Além disso, o síndico revelou que as lojas da galeria estão sendo gradualmente obrigadas a recuperar o projeto arquitetônico original da década de 1940.
O Brasil entrou na guerra oficialmente em agosto de 1942, após submarinos do Eixo afundarem seis navios brasileiros em uma única semana. A participação no conflito levou o país a enviar 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira para a Europa.
O clima de ameaça nas cidades costeiras, especialmente no Rio, impulsionou medidas de defesa. O governo de Getúlio Vargas instituiu a obrigatoriedade da construção de abrigos por meio do decreto-lei 4.098, de fevereiro de 1942, criando os "serviços de defesa passiva antiaérea".
"Era uma época de grandes campanhas educativas com panfletos, transmissões de rádio e testes com sirenes. Havia instruções rígidas sobre como agir durante um ataque", lembra o escritor e jornalista Ruy Castro, autor do livro Trincheira Tropical, que trata dos impactos da guerra na capital fluminense.
Castro relata que a exigência de abrigos constava em normas de construção: prédios com mais de cinco andares ou mais de 1.200 metros quadrados de área construída precisavam ter estruturas subterrâneas preparadas para resistir a explosões. Esses abrigos deveriam ter espaços para dormir, cozinhar e banheiros, projetados para proteger famílias por vários dias.
"Dezenas de edifícios com esses bunkers surgiram, principalmente no Rio, mas também em outras cidades do litoral. Com o fim da guerra, muitos foram convertidos em garagens", explica o escritor.
Um dos primeiros a serem divulgados foi o Túnel do Leme, cuja estrutura rochosa permitiria, se necessário, seu uso como abrigo. Na época, o jornal A Noite anunciou com entusiasmo a construção.
A arquiteta Isabella Cavallero se interessou pelo tema ao encontrar, em 2022, um anúncio antigo que destacava um abrigo antiaéreo como vantagem de um prédio. A partir daí, iniciou uma pesquisa que hoje está disponível no site Bunker Paradies, projeto criado em parceria com a antropóloga colombiana Ana Catalina Correa, que investiga bunkers ligados ao narcotráfico em seu país.
Na década de 1940, Copacabana vivia um boom imobiliário. Era o destino da elite carioca e os prédios tinham arquitetura em estilo art déco, com detalhes dourados, mármore e metal. Os bunkers eram mais um atrativo de luxo, aparecendo em anúncios junto a atributos como salas espaçosas, banheiros ingleses e "garage". O edifício Menescal, por exemplo, foi promovido com a frase: "uma garage para 70 carros e o maior abrigo antiaéreo já aprovado pelo Serviço Nacional de Defesa Civil".
Além de estruturas reforçadas em concreto, os manuais da época ensinavam os cidadãos a construírem trincheiras em seus quintais. O coronel Orozimbo Martins Pereira, chefe do serviço, reforçava em seu livro Alerta! que a população não deveria esperar tudo do governo, mas colaborar com sua própria proteção.
Durante os passeios realizados por Cavallero, muitos participantes se surpreendiam ao saber da existência desses espaços. A jornalista Fernanda Castelo Branco, por exemplo, que já havia visitado bunkers europeus, confessou nunca imaginar que o Rio tivesse estruturas semelhantes. Já Miguel Doldan, membro de um grupo de reencenação histórica da Segunda Guerra, afirmou que ver os prédios sob outra perspectiva o aproximou das experiências vividas por quem enfrentou o conflito.
O interesse pelo tema cresceu após um vídeo sobre o tour viralizar no TikTok. Desde então, Cavallero passou a receber mensagens de moradores oferecendo acesso aos subsolos de seus prédios e informando endereços ainda não mapeados.
Hoje vivendo em Berlim, onde trabalha com modelagem 3D de edificações e documentação de patrimônio, Cavallero continua sua pesquisa com apoio popular e do gabinete do vereador Flávio Valle. Recentemente, uma moradora do Flamengo enviou-lhe uma imagem de uma placa que dizia: "Abrigo antiaéreo adaptado para garagem em 1949", ao lado de fotos de aviões da guerra.
"Gostaria que todos os subsolos tivessem ao menos um registro visual dessa história", diz ela.
Para a arquiteta, dar visibilidade a esses vestígios é uma maneira de manter viva a memória da Segunda Guerra Mundial, do combate ao fascismo e da ditadura Vargas, evitando que esse passado desapareça da consciência coletiva.