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Guerra
03/08/2025 07:00:00

Direto da escola para a guerra: jovens russos de 18 anos enfrentam e morrem no conflito na Ucrânia

Direto da escola para a guerra: jovens russos de 18 anos enfrentam e morrem no conflito na Ucrânia

Uma apuração do Serviço Russo da BBC identificou que ao menos 245 rapazes russos, com apenas 18 anos, morreram em combate na Ucrânia nos últimos dois anos.

Grande parte deles entrou para o exército logo após concluir o ensino médio, aproveitando mudanças nas normas que permitiram evitar o serviço militar obrigatório e ingressar diretamente como soldados profissionais.

Em muitos casos, esses jovens faleceram poucas semanas depois de chegarem à linha de frente.

A reportagem da BBC conversou com famílias devastadas pela dor para entender o que leva rapazes recém-saídos da escola a se alistar e enfrentar a guerra sangrenta iniciada por Vladimir Putin.

Um futuro interrompido

Em 7 de maio de 2025, estudantes da escola nº 110, na cidade de Chelyabinsk, participaram de uma cerimônia pelo 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. No evento, alunos desfilaram com bandeiras da Rússia e da antiga União Soviética, segurando retratos de ex-estudantes que haviam sido enviados ao atual conflito.

Entre eles estava Aleksandr Petlinsky, que se alistou no exército duas semanas depois de completar 18 anos e foi morto apenas 20 dias após entrar para a tropa.

Sua mãe, Elena, e a tia Ekaterina estiveram na cerimônia, emocionadas. Após o minuto de silêncio, Ekaterina falou sobre o sobrinho. Sasha, como era chamado, tinha o sonho de se tornar médico e já havia conseguido vaga na Faculdade de Medicina de Chelyabinsk. No entanto, desde os 15 anos, alimentava o desejo de ir ao front, quando a guerra teve início.

Petlinsky é um dos 245 jovens com essa idade cujos nomes foram confirmados pela BBC como mortos na Ucrânia nos últimos dois anos.

Leis alteradas facilitaram envio de jovens ao front

Desde o início do conflito, em fevereiro de 2022, o envolvimento de jovens muito novos nas batalhas gerou discussões. Putin havia prometido que os convocados com 18 anos não seriam enviados ao combate. No entanto, poucos dias depois dessa promessa, o Ministério da Defesa admitiu que alguns haviam sido direcionados à zona de guerra.

A BBC verificou os nomes de ao menos 81 recrutas mortos no primeiro ano da guerra. Segundo autoridades ucranianas, centenas foram capturados.

Embora o governo russo tenha parado de enviar recrutas para o combate, uma nova legislação, a partir da primavera de 2022, passou a estimular o alistamento direto. Desde 2023, jovens passaram a receber grandes quantias em dinheiro para assinar contratos com o exército.

Inicialmente, era preciso ter cumprido ao menos três meses de serviço militar, mas essa exigência foi retirada em 2023, apesar da oposição de alguns parlamentares.

Hoje, qualquer jovem que conclua o ensino médio e tenha 18 anos completos pode firmar contrato com o Ministério da Defesa russo.

Nina Ostanina, parlamentar e presidente do Comitê da Família na Duma, advertiu que essa flexibilização expõe adolescentes recém-formados a riscos graves. Segundo ela, muitos buscam dinheiro fácil, mas não têm a maturidade necessária para entender as consequências do que estão fazendo.

Militarização nas escolas

Desde o começo da guerra, professores foram obrigados por lei a lecionar conteúdos ligados à chamada "operação militar especial". Militares retornam das frentes de batalha para relatar suas experiências nas salas de aula, e as crianças participam de atividades como fabricação de redes de camuflagem e velas de trincheira. Alunos de jardim de infância são estimulados a escrever cartas aos soldados.

Com o avanço da legislação, escolas passaram a promover com mais força o serviço militar contratado. Em cidades como Perm, cartazes mostram um homem fardado com a família e o slogan "serviço contratado — um futuro de valor". Em outras regiões, como Khanty-Mansisk e Krasnoyarsk, propagandas similares foram espalhadas em salas de aula.

No início do ano letivo de 2024, o currículo escolar passou a incluir a disciplina "Introdução à Segurança e Defesa da Pátria", onde adolescentes voltaram a aprender o uso de rifles Kalashnikov e granadas, prática comum na era soviética.

Recrutadores militares comparecem às aulas de carreira para ensinar os alunos como se alistar após a formatura.

Em abril de 2024, o chefe do distrito de Taseyevsky, Konstantin Dizendorf, visitou uma faculdade técnica e elogiou publicamente o jovem Aleksandr Vinshu, de 18 anos, que havia declarado intenção de se alistar. Ele foi autorizado a realizar as provas finais antes do previsto, para acelerar o processo. Sete meses depois, foi morto em combate.

Dados confirmam número crescente de mortes

Entre abril de 2023 e maio de 2025, a BBC confirmou o falecimento de 245 jovens de 18 anos, todos soldados contratados. A maioria ingressou voluntariamente no exército. Desses, 21 haviam assinado contrato ainda durante o serviço obrigatório.

Alguns familiares afirmam que seus filhos foram pressionados a se alistar.

As mortes se concentram em regiões remotas e menos favorecidas do país. Foram confirmados 11 casos em Novosibirsk, outros 11 em Zabaykalsky e 10 nas regiões de Altai e Primorsky.

Os números reais podem ser ainda maiores, já que muitas mortes não são divulgadas oficialmente.

Mesmo assim, as perdas entre jovens ainda são menores do que entre homens mais velhos. Desde o início da invasão, 2.812 pessoas entre 18 e 20 anos morreram, frente a 8.267 mortes de soldados com idades entre 45 e 47 anos. A diferença pode estar relacionada à resistência física e à relutância dos jovens em se alistar, mesmo com promessas de recompensa financeira.

Pesquisa realizada pelo Centro Levada, em maio de 2025, mostrou que apenas 35% dos jovens entre 18 e 24 anos apoiavam a guerra, enquanto esse número era de 42% entre os adultos de 40 a 54 anos, e 54% entre os com mais de 55 anos.

Um talento calado pela guerra

Petlinsky era descrito como um rapaz sensível, criativo e prestativo. Participava de atividades culturais, desenhava e sonhava em se tornar médico. Contudo, seu desejo de lutar nunca foi mencionado a ninguém próximo.

Ele completou 18 anos em 31 de janeiro de 2025 e imediatamente pediu licença da faculdade para se alistar. Ao ser questionado sobre a opinião da mãe, respondeu: “É a minha escolha”. Pouco depois já estava treinando.

Antes de partir, encontrou a amiga Anastasia e, como lembrança, desenhou uma tocha em seu pulso. Foi a última vez que se viram.

Alistamento sob pressão

Vitaly Ivanov, da região de Irkutsk, teve um caminho diferente. Cresceu em uma vila pobre, trabalhou em serviços manuais e vendia brinquedos infláveis durante o verão. Começou um namoro com uma jovem chamada Alina, ajudando-a com tarefas na fazenda.

Em certo momento, após se envolver em uma briga, foi acusado de roubo e levado à delegacia. Segundo ele, foi algemado e espancado para confessar um crime que não cometeu. Após esse episódio, decidiu entrar para o exército.

A mãe acredita que os próprios policiais o orientaram a assinar o contrato militar. Assustado, o jovem teria aceitado a proposta como forma de escapar da prisão.

Pouco antes de partir, Ivanov se despediu da mãe dizendo que não iria mais para Kazan, como havia planejado. "Vou para a operação militar especial", afirmou.

Sua escolha pode ter sido influenciada também pelos bônus oferecidos. Na região de Samara, onde se alistou, as recompensas financeiras ultrapassavam os quatro milhões de rublos, quantia que ele jamais teria condições de alcançar de outra forma.

Ivanov morreu em sua primeira missão, em 11 de fevereiro de 2025, após apenas uma semana no front. Seu corpo foi enterrado com honras militares em sua vila natal. Amigos e familiares se perguntavam por que alguém tão jovem havia sido enviado à guerra.

Mais perdas, mais silêncio

Petlinsky foi morto menos de um mês depois, em 9 de março. Grupos de jovens com quem ele convivia prestaram homenagens nas redes sociais. Um dos comentários dizia: "Como ele poderia estar lá se completou 18 anos há poucas semanas?"

A mãe de Petlinsky disse à BBC que sente orgulho como cidadã russa, mas que como mãe, não consegue lidar com a perda.

A amiga Anastasia afirmou que o tema dos contratos assinados por jovens de 18 anos é extremamente doloroso. “Eles são ingênuos, não compreendem o peso do que estão fazendo.”

Sem repercussão nacional

Apesar da dor das famílias, a mobilização para mudar as leis foi praticamente inexistente. Um parente de Daniil Chistyakov, outro jovem morto pouco depois de se alistar, tentou pressionar pelo fim do envio de recém-formados ao front, mas suas iniciativas não tiveram retorno.

A mãe de Ivanov também tentou responsabilizar os policiais que, segundo ela, influenciaram o alistamento do filho. Ela chegou a enviar uma carta registrada ao programa “Homens e Mulheres”, da TV estatal russa, mas ninguém foi buscá-la no correio.

O drama de Aleksandr, Vitaly e tantos outros jovens russos de 18 anos mortos na Ucrânia continua cercado por silêncio, burocracia e abandono.