O Sistema Único de Saúde (SUS) desembolsou R$ 449 milhões em 2024 com atendimentos hospitalares a vítimas de acidentes de trânsito no Brasil. Os dados são de um estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos registros do Datasus. O valor cobre desde atendimentos de emergência até processos de reabilitação e fornecimento de próteses e órteses.
Esse montante seria suficiente para adquirir 1.320 ambulâncias do SAMU, número quase quatro vezes superior ao previsto pelo Novo PAC Saúde, que planeja a compra de 350 unidades para beneficiar cerca de 5,8 milhões de pessoas. Com os recursos gastos, seria possível ampliar a cobertura de atendimento de urgência para aproximadamente 22 milhões de brasileiros.
Desde 1998, os custos com sinistros de trânsito no SUS aumentaram cerca de 49% em valores reais. Em 1998, foram R$ 301,7 milhões; em 2024, saltaram para R$ 449,8 milhões. O maior aumento ocorreu entre 2008 e 2009, quando os gastos subiram em R$ 105 milhões em apenas um ano.
A situação é agravada pelo fim dos repasses do seguro obrigatório DPVAT, extinto em 2021. O SUS deixou de receber cerca de R$ 580 milhões anuais que antes eram destinados à cobertura de custos médicos com vítimas de acidentes. Entre 2011 e 2020, o sistema público de saúde recebeu mais de R$ 5,8 bilhões oriundos do DPVAT. A tentativa do governo federal de implementar o SPVAT, nova versão do seguro, foi revogada em 2024 diante da resistência do Congresso e de governadores.
Especialistas da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) alertam que a ausência de prevenção tem elevado custos e impactos sociais. Segundo estimativas da entidade, os acidentes de trânsito podem consumir de 1% a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países latino-americanos — no Brasil, isso representa de R$ 117 bilhões a R$ 351 bilhões por ano, com base no PIB de R$ 11,7 trilhões em 2024.
“O investimento na prevenção sempre é menor do que o estrago. São custos tangíveis e intangíveis. Estamos gastando para reparar os danos da insegurança, quando poderíamos investir em salvar vidas”, explica Ricardo Pérez-Núñez, assessor regional da OPAS.
Entre os principais fatores de risco está o uso inadequado de capacetes. Segundo a OPAS, o equipamento reduz em até 72% a chance de traumatismo grave e em 39% o risco de morte, mas seu uso ainda é negligenciado em várias regiões do país. Apesar de o número de fiscalizações ter aumentado, punições como a suspensão da CNH vêm diminuindo.
Victor Pavarino, oficial técnico em segurança viária da OPAS/OMS, afirma que o país adotou um modelo de mobilidade centrado no transporte individual sem garantir a infraestrutura e fiscalização necessárias. “Criamos uma terra fértil para o modelo individual, mas não nos preparamos. O sistema entrou em colapso”, resume.
Para especialistas, a solução está em medidas como melhorias na infraestrutura viária, campanhas educativas, incentivo ao transporte coletivo seguro, fiscalização efetiva e retorno de políticas públicas de compensação, como o antigo DPVAT.