A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos atingiu um novo patamar nesta sexta-feira (18), com o anúncio do governo americano de sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), horas após o próprio Moraes determinar medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de sair de casa à noite e aos fins de semana, e restrições de comunicação com investigados — inclusive seu filho, Eduardo Bolsonaro.
A medida americana foi divulgada pelo secretário de Estado Marco Rubio, que anunciou a revogação do visto de Moraes e solicitou o cancelamento das permissões de entrada nos EUA para seus familiares e aliados, embora não tenha especificado os nomes dos demais atingidos. Segundo Rubio, o ministro do STF estaria conduzindo uma "caça às bruxas política" contra Bolsonaro, afetando inclusive os interesses americanos.
Medidas cautelares contra Bolsonaro e operação da PF
As determinações contra Bolsonaro ocorreram no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão como parte da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Moraes justificou as medidas cautelares alegando risco de fuga, tentativa de obstrução de justiça e indícios de cooperação com autoridades estrangeiras para pressionar o STF — o que configuraria atentado à soberania nacional.
O ex-presidente também foi proibido de se comunicar com embaixadas e diplomatas. Em entrevista após colocar a tornozeleira, Bolsonaro chamou as medidas de “suprema humilhação” e disse que “nunca pensou em sair do Brasil ou pedir asilo”. Ele precisou encerrar a coletiva por volta das 19h para cumprir a restrição de circulação.
Durante a operação, a PF apreendeu US$ 14 mil em espécie, um pen drive e o celular de Bolsonaro. A defesa do ex-presidente se disse “surpresa e indignada” e criticou o caráter "severo" das medidas, alegando que ele sempre colaborou com as investigações.
Eduardo Bolsonaro, Trump e o impacto internacional
A reação dos EUA foi articulada após Eduardo Bolsonaro, deputado federal licenciado e filho do ex-presidente, se mudar para os EUA com o objetivo de influenciar a política americana contra o Judiciário brasileiro. Eduardo celebrou as sanções contra Moraes e agradeceu a Trump e Rubio nas redes sociais. Em entrevista à CNN Brasil, disse que Moraes “está batendo de frente com Trump”, o que considerou um erro político grave.
Trump, por sua vez, tem intensificado sua retórica contra o governo Lula e o STF. Em carta enviada a Bolsonaro, o presidente americano manifestou apoio direto ao ex-presidente e condenou o sistema de Justiça brasileiro. No início de julho, Trump já havia anunciado a aplicação de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, alegando perseguição contra Bolsonaro e práticas comerciais desleais por parte do Brasil.
Lula reage e aponta tentativa de intimidação
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu às sanções americanas classificando a medida como uma “intimidação” ao Poder Judiciário e reafirmando apoio aos ministros do STF. Em nota, Lula disse que “nenhuma ameaça comprometerá a missão das instituições brasileiras de preservar o Estado Democrático de Direito”.
Durante pronunciamento na TV, Lula também criticou o “tarifaço” de Trump, chamando-o de “chantagem inaceitável”, e acusou Bolsonaro e seus aliados de serem “traidores da pátria”.
Julgamento e possível condenação de Bolsonaro
Bolsonaro será julgado ainda neste ano pela ação penal 2.668/DF, no STF, que trata da tentativa de golpe de Estado. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já apresentou as alegações finais pedindo a condenação do ex-presidente por diversos crimes, como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano ao patrimônio da União e golpe de Estado.
Caso seja condenado, a pena pode ultrapassar 40 anos de prisão. Como tem alegado problemas de saúde, Bolsonaro pode cumprir eventual pena em regime domiciliar, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor.
Além de Bolsonaro, também estão no núcleo central do processo nomes como os generais Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, além de Mauro Cid, Anderson Torres e Alexandre Ramagem. As defesas dos réus têm até meados de agosto para apresentar suas manifestações finais.
Crise com os EUA e os Brics
A tensão entre os dois países se acentuou com as recentes reuniões do Brics no Rio de Janeiro, nas quais o Brasil apoiou discussões sobre alternativas ao dólar. Trump classificou esse movimento como uma ameaça ao status do dólar como moeda global e afirmou que os EUA não tolerariam tentativas de enfraquecer sua economia.
Ele minimizou a força do Brics, mas alertou que se o grupo avançar com ações concretas, poderá haver resposta dura por parte dos EUA. Segundo ele, “seria como perder uma guerra mundial”.
A crise política e diplomática entre os dois países se entrelaça agora à campanha eleitoral nos EUA e à polarização política brasileira, com reflexos ainda incertos para a diplomacia, a economia e o cenário jurídico interno.