A inclusão do Pix na investigação comercial aberta pelos Estados Unidos contra o Brasil reflete uma disputa crescente por espaço no mercado de meios de pagamento eletrônico. A medida foi ordenada pelo presidente americano Donald Trump na última terça-feira (15), com base na Seção 301 da legislação de comércio dos EUA, que permite ações contra práticas consideradas desleais ou discriminatórias contra empresas americanas.
No relatório publicado pela Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR), o governo norte-americano alega que ferramentas como o Pix — sistema de pagamento instantâneo criado e operado pelo Banco Central do Brasil — podem estar prejudicando a competitividade de empresas americanas no comércio digital e de pagamentos, incluindo gigantes como Visa, Mastercard, Apple Pay, Google Pay e Meta (dona do WhatsApp Pay).
Pix avança e incomoda gigantes americanas
Lançado oficialmente em novembro de 2020, o Pix se consolidou como o meio de pagamento mais usado no Brasil, com mais de 175 milhões de usuários no fim de 2024, representando 76,4% da população, segundo o Banco Central. Seu sucesso vem, em grande parte, do fato de ser gratuito, rápido, seguro e acessível, o que reduziu drasticamente o uso de cartões e outros métodos intermediados por empresas privadas.
Esse avanço, no entanto, afetou diretamente os planos de expansão de companhias americanas no país. Um ponto central para a irritação dos EUA seria a decisão do Banco Central brasileiro, em 2020, de suspender o funcionamento do WhatsApp Pay — lançado no Brasil meses antes da estreia oficial do Pix. O sistema da Meta permitiria transferências gratuitas entre usuários, mas cobrava dos comerciantes uma taxa de 3,99% por venda.
Na época, o Banco Central justificou a suspensão com o argumento de preservar a concorrência e a segurança do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), enquanto o Cade alertou que a parceria entre a Meta e a Cielo poderia ameaçar a livre concorrência por conta de um possível domínio de mercado.
Após a suspensão, o WhatsApp Pay só voltou a operar parcialmente em 2021, quando o Pix já havia se tornado amplamente adotado no país.
Investigação mira atuação do Estado brasileiro
A investigação aberta pelos EUA questiona se o governo brasileiro favoreceu indevidamente o Pix em detrimento de plataformas privadas, como o WhatsApp Pay. Há suspeitas, no relatório americano, de que decisões regulatórias e políticas públicas tenham sido usadas para proteger um sistema estatal que acabou dominando o mercado e desestimulando a concorrência internacional.
A audiência pública sobre o caso foi marcada para 3 de setembro, em Washington, e o governo americano abriu nesta quinta-feira (17) o prazo para o recebimento de comentários de partes interessadas.
Governo brasileiro reage e defende o Pix
O Palácio do Planalto reagiu nas redes sociais, dizendo que o Pix é motivo de orgulho nacional. “Parece que nosso Pix vem causando um ciúme danado lá fora”, escreveu o perfil oficial do governo, destacando que o sistema é seguro, sem taxas e amplamente utilizado.
O vice-presidente Geraldo Alckmin, encarregado por Lula das articulações com Washington, também defendeu o modelo brasileiro em reunião com empresários e afirmou que o país responderá ponto a ponto aos questionamentos dos EUA.
“O Pix é um sucesso. Vamos mostrar que o Brasil atua com transparência e dentro das normas internacionais de livre concorrência”, declarou Alckmin.
Com a escalada da tensão comercial — que já inclui tarifas impostas por Trump a produtos brasileiros como retaliação —, o Pix se transformou em símbolo de soberania digital para o governo brasileiro e também em mais um elemento no embate geopolítico entre Estados Unidos e países que buscam maior autonomia tecnológica e financeira.