Pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) iniciaram um projeto inédito voltado à saúde mental de comunidades quilombolas, com foco inicial nas famílias Jacu-Mocó e Alto do Tamanduá, localizadas no município de Poço das Trincheiras, no sertão alagoano. A iniciativa, que integra o programa Genoma SUS em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem como objetivo investigar a relação entre transtornos mentais como depressão e ansiedade e fatores genéticos, metabólicos e do microbioma intestinal.
O estudo faz parte do doutorado de Marcílio Melo, sob orientação do professor Marcelo Duzzioni, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Ufal. O projeto foi incorporado ao Genoma SUS após despertar o interesse da Fiocruz, e prevê o sequenciamento genético das famílias quilombolas para compreender possíveis predisposições genéticas associadas aos transtornos mentais.
Segundo Duzzioni, a escolha dessas comunidades é estratégica devido ao histórico de casamentos consanguíneos e isolamento geográfico, que preservam traços genéticos ancestrais valiosos para o mapeamento do genoma humano.
A pesquisa é sustentada por quatro pilares: levantamento epidemiológico de transtornos mentais, sequenciamento genético, estudo do microbioma intestinal e análise do perfil metabólico, incluindo condições como diabetes e hipertensão. A aplicação dos questionários SRQ-20, Inventário de Depressão de Beck e Inventário de Ansiedade de Beck será realizada nas comunidades, com o apoio da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau) e profissionais da Supervisão de Atenção Psicossocial (Suap).
O trabalho de campo deve começar ainda em 2025. Reuniões já estão em andamento com lideranças locais, agentes de saúde e gestores públicos para organizar a logística das coletas, incluindo sangue e fezes, cujos exames serão processados por um laboratório conveniado. A análise dos dados permitirá estabelecer índices de ansiedade e depressão nas comunidades e sua correlação com alterações biológicas e genéticas.
Se confirmadas alterações significativas, os pesquisadores esperam propor intervenções que vão além da abordagem medicamentosa. Entre as possíveis soluções estão planos alimentares coletivos com apoio da Nutrição e criação de hortas comunitárias. Caso sejam identificadas predisposições genéticas, os dados poderão ajudar a orientar políticas públicas de prevenção e atendimento mais eficaz.
A escolha de Poço das Trincheiras como ponto de partida se deu após uma reportagem da Folha de São Paulo, em 2023, relatar um número preocupante de tentativas de suicídio na comunidade Jacu-Mocó. Desde então, Melo passou a trabalhar com o apoio da Sesau para desenvolver o projeto. Ele destaca que, com a colaboração de outros municípios, a pesquisa pode ser expandida para outras comunidades quilombolas do estado.
Para Aline Jacu-Mocó, liderança da comunidade que dá nome à família pesquisada, o projeto chega em boa hora. “É assustador o número de pessoas que sofrem de ansiedade e depressão. Espero que esse trabalho nos ajude a viver com mais tranquilidade e felicidade”, afirmou.
A pesquisa da Ufal representa um passo importante na integração entre ciência, saúde pública e justiça social, ampliando o olhar sobre comunidades historicamente invisibilizadas e promovendo soluções específicas e sustentáveis para suas realidades.