Décadas após Fernanda Montenegro ser indicada ao Oscar e perder a estatueta, sua filha, Fernanda Torres, 59, desponta como forte candidata ao prêmio por sua atuação em Ainda Estou Aqui, filme que se tornou fenômeno de público no Brasil e reacendeu um debate nacional sobre a ditadura militar.
O longa, dirigido por Walter Salles, retrata a história real da família do ex-deputado Rubens Paiva, morto pelo regime militar, e já foi indicado ao Globo de Ouro como melhor filme em língua estrangeira. Torres também foi nomeada como melhor atriz, aumentando as expectativas de uma possível indicação ao Oscar. A produção foi escolhida como representante oficial do Brasil na disputa por melhor filme internacional.
No país, Ainda Estou Aqui ultrapassou a marca de 2,5 milhões de espectadores e superou grandes títulos internacionais em bilheteria. O impacto do filme foi ampliado pela recente revelação de novos detalhes sobre uma tentativa de golpe envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, defensor declarado do regime militar.
Ambientado no Rio de Janeiro dos anos 1970, o longa acompanha Eunice Paiva (vivida por Torres), mãe de cinco filhos e esposa de Rubens Paiva, desaparecido após ser levado por militares. O filme, baseado em livro de Marcelo Rubens Paiva, transformou-se num símbolo de memória e reflexão, especialmente entre as novas gerações. Ao final da trama, Montenegro aparece como Eunice idosa, marcando a união simbólica entre mãe e filha no mesmo papel.
A atuação de Torres despertou comparações com a da mãe, que foi indicada ao Oscar em 1999 por Central do Brasil. Agora, com uma nova geração descobrindo os horrores da ditadura, a campanha pelo reconhecimento internacional se intensifica. A Sony Pictures Classics, que promoveu a candidatura de Montenegro anos atrás, repete a estratégia com Torres. Mesmo assim, a atriz mantém os pés no chão, afirmando que só a indicação já seria uma grande conquista.
A narrativa do filme ganhou força em um momento de efervescência política. O roteiro, que critica o autoritarismo e resgata histórias de desaparecimentos e torturas, ressoa especialmente em um Brasil que ainda não julgou crimes cometidos por militares. Ao contrário de países vizinhos como Argentina e Chile, o Brasil jamais responsabilizou judicialmente os agentes da ditadura.
Com cenas intensas e momentos emocionantes, como o sorriso resiliente de Eunice diante da dor, Ainda Estou Aqui resgatou a história da repressão e abriu espaço para novas discussões sobre democracia e justiça. Nas redes sociais, relatos sobre o período se multiplicaram. Em escolas e universidades, o tema voltou à pauta. O cinema, como destacou Walter Salles, se tornou ferramenta essencial de reconstrução da memória nacional.
Entre os muitos brasileiros impactados pelo filme está Eneida Glória Mendes, 73, filha de militar que viveu sob medo constante. Ela recorda-se de rasgar cartas dos amigos para evitar represálias. Já a jovem atriz Sara Chaves, 25, destaca a sede de conhecimento de sua geração sobre os anos de chumbo.
No exterior, o filme também foi bem recebido. Em Veneza, conquistou o prêmio de melhor roteiro e uma ovação de dez minutos. A possível indicação de Torres ao Oscar reacende a comoção nacional iniciada por sua mãe. Mesmo cética quanto às chances de vitória, ela reconhece a força do momento: dividir a tela com Montenegro em um papel tão significativo é, por si só, um prêmio.
Com quase sete décadas de carreira, Montenegro continua ativa, embora mais reservada. Em uma conversa recente com a filha, as duas refletiram sobre o legado artístico e familiar que carregam. Ao posar para fotos após a entrevista, com os rostos colados, ambas sorriram, conscientes da história que continuam escrevendo juntas.
“Minha mãe está viva, está tudo bem com ela”, disse Torres, sorrindo. Montenegro, por sua vez, respondeu com serenidade: “Ainda estou por aqui”. Ao que Torres completou: “Ainda estamos aqui”.