Armas fabricadas no Brasil, mais precisamente pistolas da empresa Forjas Taurus, têm sido anunciadas por vendedores em áreas controladas pelos rebeldes houthis no Iêmen, conforme revelou um relatório da ONU e investigações da BBC News Brasil. Este caso levanta questões críticas sobre controle de exportações, conformidade internacional e o papel das plataformas digitais no monitoramento de conteúdo.
O Brasil é um dos maiores exportadores de armas do mundo, e o caso das pistolas brasileiras no Iêmen expõe lacunas no sistema de controle sobre exportações para regiões sensíveis. A Taurus e o governo brasileiro afirmam cumprir os requisitos legais, incluindo a emissão de certificados que garantem o uso final das armas. No entanto, essas medidas parecem insuficientes para evitar que os armamentos sejam desviados para conflitos.
Entre 2021 e 2023, pistolas da Taurus foram exportadas para a Arábia Saudita e Tanzânia com autorizações legais. No entanto, investigações mostraram que algumas dessas armas foram desviadas e comercializadas em áreas sob controle dos houthis. Essa descoberta também levanta suspeitas sobre o processo de análise de risco do governo brasileiro e a necessidade de maior transparência nos critérios de exportação.
Um relatório da ONU de outubro de 2024 destacou a presença de armas brasileiras em áreas controladas pelos houthis, identificando ao menos 73 pistolas Taurus à venda em redes sociais e lojas informais. Destas, 16 foram originalmente exportadas para a Arábia Saudita, 37 para a Tanzânia e 20 para Djibouti.
Esse desvio pode estar relacionado ao uso de intermediários que operam em mercados com pouca regulamentação ou diretamente à ineficácia de mecanismos internacionais para monitorar o destino final das armas.
Anúncios de armas brasileiras foram encontrados em redes sociais como o X (antigo Twitter) e o Facebook, com vendedores oferecendo kits de pistolas fabricadas no Brasil ou nos Estados Unidos. Esses anúncios revelam a falta de controle por parte das plataformas digitais para moderar conteúdos relacionados ao comércio ilegal de armas.
Organizações como a Sou da Paz e especialistas em direitos humanos apontam que as empresas de tecnologia precisam implementar políticas mais rigorosas para evitar a comercialização de itens ilegais em suas plataformas.
A situação coloca em foco a responsabilidade do Brasil enquanto signatário de tratados internacionais, como o Tratado sobre Comércio de Armas (ATT), que exige análises detalhadas de risco para exportação de armas a fim de evitar seu uso em violações de direitos humanos.
Especialistas destacam que o Brasil precisa melhorar seu compliance nas exportações de armas, com processos mais robustos para evitar desvios. A Taurus, por sua vez, deve ampliar seu monitoramento e restrições de vendas para países com histórico de instabilidade.
A guerra no Iêmen, que já dura mais de uma década, agravou-se com o apoio de potências regionais e globais. A presença de armas desviadas, como as brasileiras, adiciona um nível extra de complexidade ao conflito, além de aumentar os riscos para civis e perpetuar a crise humanitária considerada pela ONU como a pior do mundo.
O caso das armas brasileiras no Iêmen destaca a interconexão entre produção local, comércio global e conflitos internacionais. Ele reforça a necessidade de políticas mais rígidas, tanto em nível nacional quanto internacional, para garantir que armas fabricadas legalmente não acabem sendo utilizadas em cenários de guerra, perpetuando a violência e as violações de direitos humanos.