Com Alagopas 24 Horas
De janeiro até a primeira quinzena deste mês, 4.849 mulheres foram vítimas de violência doméstica em Alagoas. O número corresponde a mais da metade – 67% do total de vítimas registradas em todo o ano passado quando 7.194 casos chegaram às Delegacias das Mulheres do Estado.
Do total de vítimas femininas registradas de janeiro deste ano até a segunda quinzena deste mês, 39,65% são de Maceió. A quantidade já é praticamente igual a todo o ano de 2022, quando quarenta por cento dos registros de violência contra a mulher oficializados ocorreram na capital Maceió.
As estatísticas são da Secretaria de Estado da Segurança Pública e, embora, não detalhe que tipo de violência a mulher foi vítima – sexual, física, psicológica, moral, patrimonial – não são nada animadores diante do “Agosto Lilás”, campanha criada em alusão à Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, quando surgiu a necessidade de inibir os casos de violência doméstica no Brasil.
A situação fica ainda mais crítica quando sabemos que quase a metade das mulheres brasileiras já teve seus corpos tocados por um homem sem o seu consentimento. E essas ocorrências foram registradas em locais públicos. Pelo menos foi o que apontou uma pesquisa realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) em parceria com o Instituto Patrícia Galvão.
O levantamento faz parte da pesquisa “Percepções sobre controle, assédio e violência doméstica: vivências e práticas” e mostrou que 45% das mulheres já passaram por essa situação. Em contrapartida, apenas 5% dos homens entrevistados assumiram ter cometido este tipo de assédio.
A violência também chegou para as mulheres que disseram “não” a uma pessoa que mostrou interesse nelas. Quarenta e um por cento das entrevistadas afirmaram ter sido xingadas ou agredidas depois de um “não”.
A promotora de Justiça Adézia Lima salientou que os números apontados pela pesquisa dão visibilidade a toda a sociedade sobre um fenômeno importante que vitimiza um elevadíssimo percentual de mulheres e impactam nas estatísticas da violência em todo território nacional.
“A pesquisa mostrou as experiências e percepções da população brasileira sobre violência, práticas invasivas e de controle, importunação, perseguição, assédio sexual e violência doméstica”, opinou a promotora titular da 35ª Promotoria de Justiça da Capital.
Para a promotora Adézia Lima que atua no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, a pesquisa é mais um instrumento que alerta a sociedade brasileira para a gritante estatística da violência que agride e mata mulheres todos os dias no país.
“Pensar que 45% das mulheres informaram ter sido tocadas mesmo sem o consentimento e outras 32% relataram ter sido agredidas verbal e fisicamente porque disseram ‘não’ ao seu agressor faz com que reflitamos o grau de adoecimento desta sociedade e o quanto é necessário investir em políticas públicas que possibilitem a formação de uma nova consciência social e familiar que desnaturalize esses comportamentos patriarcal, misógino e sexista”, afirmou a promotora de Justiça.
A costureira C.M.B., 38 anos, foi uma das vítimas ao ser, por algumas vezes tocada, sem consentir, pelo porteiro do prédio comercial em que trabalha. “Eu notava um comportamento estranho, abusivo, mas sem querer confusão, minimizei. Ao longo do tempo, os papinhos que eram salientes, viraram passada de mão. Primeiro no meu braço, depois no pescoço. Até que pedi para ele parar, diante da insistência, falei com a administração do prédio e a situação foi resolvida”, recordou.
Ainda de acordo com a mesma pesquisa abordando a percepção dos homens sobre a Lei Maria da Penha, 49% deles acreditam que a Lei “interfere em uma questão particular que só diz respeito ao casal”. Neste mesmo grupo, 38% dos homens consideram que a Lei Maria da Penha prejudica homens que não são criminosos e a classificaram como “rigorosa demais”.
Outro recorte da pesquisa mostrou que 16% dos moradores de municípios com até 50 mil habitantes consideram que agredir a parceira “pode ser errado”, mas que não deveria ser crime e acreditam que a lei deve ser anulada.
Apesar de reconhecerem a atuação da lei, 89% dos homens admitem que os agressores sabem que isso é crime, mas não acreditam que sofrerão algum tipo de punição legal. No geral, 76% dos entrevistados acreditam que a violência contra a mulher é tratada como um assunto pouco importante pela polícia e para a Justiça do país.
A superintendente de Políticas para a Mulher do Estado de Alagoas, Élida Miranda, mostrou preocupação com os dados mostrados pela pesquisa, embora, reconheça que não configuram uma surpresa.
“Realmente os números trazidos pelo Ipec são bastante preocupantes e a gente sabe que, infelizmente, o abuso e a importunação sexual ainda são uma realidade no Brasil e também aqui em Alagoas”, pontuou, ao falar sobre a campanha contra o assédio e a importunação sexual “Deixe Ela Quieta”, lançada no Carnaval, mas já repetida em outros momentos festivos. “É uma campanha semelhante ao ‘Não é Não’, com uma caraterística mais permanente.
Élida Miranda chamou a atenção para o fato de que os casos de assédio não acontecem somente em datas festivas, como Carnaval, São João. O assédio, considerou a superintendente, acontece no cotidiano, no transporte público, por exemplo. “A importunação sexual é uma realidade que precisamos combater, colocando o estado à disposição dessa mulher que passou a ser vítima”, frisou Élida Miranda.
Ela citou o aplicativo Salve Maria e o Ligue 180 como equipamentos de acolhimento para que possam ser dirigidos os pedidos de socorro. “A mulher vítima de violência pode e precisa denunciar e ser protegida. É importante destacar a função pedagógica das campanhas para que o agressor saiba que haverá punição e que essa vítima será protegida. O combate à violência que vitimiza mulheres é uma batalha dura porque precisamos enfrentar e derrotar a cultura de machismo e fortalecer os mecanismos de políticas públicas para que essa mulher realmente seja protegida e não seja alvo desses assédios. É uma batalha dura, mas estamos sempre vigilantes”.
Pelo menos 32% das mulheres já foram importunadas no transporte público
A mesma pesquisa mostrou também que 32% das mulheres afirmaram ter passado por alguma situação de importunação ou assédio sexual no transporte público, sendo que 31% declaram já ter sofrido tentativa ou abuso sexual.
Segundo o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Maceió (Sinturb), combater esse tipo de situação é uma das principais bandeiras encampadas pela entidade que já colocou nas ruas a campanha contra a importunação sexual no transporte público. A ação, realizada anualmente, traz em 2023 o tema “O seu destino é consequência da sua escolha”, e busca confrontar este tipo de conduta nos ônibus da capital alagoana.
O presidente do Sinturb, Guilherme Borges, contou que as campanhas falam diretamente com quem utiliza o transporte coletivo. “Para que as vítimas e testemunhas denunciem, de forma a coibir este tipo de crime, e para que quem pratica a importunação sexual saiba que não há tolerância para estes atos no transporte público de Maceió”.
O CRIME
Cantadas invasivas e atitudes como beijar, encoxar ou passar a mão são considerados atos libidinosos, tipificados como crime pela lei 13.718, também conhecida como Lei de Importunação Sexual, promulgada em setembro de 2018.
INSTITUTO
O Instituto Patrícia Galvão é uma organização feminista brasileira focada na defesa dos direitos das mulheres por meio de ações na mídia.
Em duas décadas de atuação, o Instituto Patrícia Galvão tornou-se uma referência nacional e internacional na defesa dos direitos das mulheres brasileiras em ações de comunicação e de incidência no debate público.
Além da sinalização nos ônibus e em pontos estratégicos da cidade, a campanha também conta com a parceria do Sest Senat Maceió na capacitação dos motoristas de como agir em situações deste tipo. No treinamento, explicou o Sinturb, os motoristas são orientados a, quando procurados por uma vítima deste tipo de crime dentro do ônibus, a encaminhar o ônibus à delegacia mais próxima, para que seja registrado um boletim de ocorrência.
COMO DENUNCIAR
A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 é o serviço de atendimento e acolhida às vítimas de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A ligação é gratuita.
O Ligue 180 também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso. Também é possível fazer denúncias por meio do Centro Especializado de Atendimento à Mulher e Direitos Humanos (3315-1792) ou a uma das Delegacias de Defesa da Mulher (3315-4976, 3315-4327).