Com Diário do Nordeste
Quando era menino numa cidade operária de São Paulo, Drauzio Varella contraiu “todas as doenças da infância”, de sarampo a difteria. De lá para cá, no percurso para se tornar um dos médicos mais renomados do mundo, viu a própria medicina evoluir – viu o SUS nascer e aumentar a expectativa de vida no Brasil, que era de 50 anos.
Em palestra a profissionais de saúde pública promovida pela Prefeitura de Maracanaú, no Ceará, na manhã desta terça-feira (8), Dr. Drauzio afirmou que “deixamos de morrer por causas absurdas”, mas foi categórico ao ressaltar: são os hábitos humanos, como o sedentarismo, que vão nos matar agora.
“No meu tempo, as pessoas morriam por verminose. Essa era a medicina: fomos preparados por ela. Aí vieram as vacinas e deixamos de morrer por causas absurdas”, recobra o médico, formado ainda nos anos 1960.
Apesar de ter visto a chegada de imunizantes e a revolução na saúde causada pelos antibióticos, Drauzio enfatiza que a prevenção, a mudança de estilo de vida e a adoção de políticas públicas efetivas em todas as áreas são chaves para cuidar da saúde – e para não exaurir um sistema público já afogado nas demandas de uma população imensa.
“A função do serviço público é prestar serviço: a saúde é uma parte disso, não o total. Tudo o que se fizer para reduzir as diferenças sociais do Brasil estará trazendo benefício à saúde. Enquanto houver esse degrau enorme entre os mais ricos e mais pobres, as condições de saúde não vão se modificar”, sentenciou, em entrevista ao Diário do Nordeste
O médico, que não ingere açúcar há 45 anos e tem como hábito correr no parque todas as manhãs, alertou que “a população brasileira está envelhecendo mal”.
“50% das mulheres e homens que chegam aos 60 anos têm hipertensão. Diabetes nem sabemos o número. Estamos na fase das doenças crônicas, que têm outra filosofia de tratamento: não vou curá-las, mas controlar, o que é muito mais difícil”, destaca.
Dr. Drauzio pontua ainda que, no atual contexto de avanço das doenças crônicas não transmissíveis, o impacto que o médico tem na prevenção “é muito pequeno”. Segundo ele, 30% das doenças crônicas dependem das condições sociais do indivíduo, como moradia e saneamento básico, “que não é a medicina que vai oferecer”.
“Os outros 50% dependem do estilo de vida: como beber, fumar, não se exercitar”, frisa, acrescentando que “no século XXI, morrerão tantas pessoas por sedentarismo quanto o cigarro vai matar” e que “não dá pra esperar as pessoas adoecerem para depois tratá-las”.
Para se ter ideia, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o tabagismo mata mais de 8 milhões de pessoas a cada ano – e quase 80% dos 1,1 bilhão de fumantes do mundo vivem em países de baixa e média renda.
Insegurança alimentar e hábitos nutricionais ruins, observa Drauzio, também contribuem para um cenário de declínio geral da saúde da população. O fortalecimento da atenção primária, então, é não apenas uma medida estratégica, como urgente.
“A saúde, em geral, é mais centrada no médico, mas o mais importante não é ele: é o agente comunitário de saúde. Temos que treiná-los pra que possam prestar uma assistência melhor. Não dá pra esperar as pessoas adoecerem pra depois tratá-las”, critica.
“Tem que ter alguém no fim da linha. Tenho mais de 50 anos como médico e não sei quais são os problemas locais. As equipes de saúde da prefeitura sabem”, finaliza Drauzio.