Então, o
soldado britânico parou de comer porque achava que não precisava mais.
"Terapeutas
podiam até tentar falar comigo, mas eu dizia: por que tentar melhorar se eu
estou morto?", conta ele.
Warren, de 36
anos, vivenciou a síndrome de Cotard, também conhecida como síndrome do cadáver
ambulante - um problema psiquiátrico que afetou menos de 100 pessoas no mundo
desde que foi descrita pelo neurologista francês Jules Cotard, em 1880.
Quem apresenta
a síndrome acredita que está morto, ou apodrecido e que seus órgãos
desapareceram ou necrosaram.
Casos como o de Warren
já foram relatados em países como China, Índia, México, Estados Unidos e
Suécia. Essa ilusão de "morte" se apresenta de diferentes formas.
Um mexicano
foi levado ao hospital depois de dizer para sua família que seu pênis havia
diminuído até desaparecer. Aos médicos ele afirmou que não tinha mais olhos nem
coração - alegava que eles haviam sido removidos por um médico em uma sala de
emergência. O homem também dizia que sua mão esquerda estava morta.
Em Portugal,
após perder seu marido repentinamente, uma pensionista de 66 anos de idade
começou a ficar desconfiada: ela decidiu parar de comer até quase morrer de
fome, reclamando que seu esôfago e seu estômago estavam colados. Ela foi
internada em um hospital depois de perder 19 quilos.
Na Caxemira, uma dona de casa de 28
anos foi internada depois de dizer que seu fígado estava podre e que seu
coração e estômago não existiam mais. Ela dizia que não sentia seu corpo quando
andava.
Já uma britânica de 59 anos procurou
ajuda médica, pois acreditava que era um cadáver podre e que suas pernas
estavam caindo.
'Eu não tinha nenhum sentimento'
No caso do soldado Warren, ele
acredita que seus delírios de morte decorrem de como ele lidou com seu acidente
de moto.
Ele bateu em uma árvore quando
voltava para casa depois de um treinamento no exército britânico - o soldado
estava prestes a embarcar para o Afeganistão. No acidente, Warren fraturou a
pelvis e a coluna, além de ter danos no cérebro.
"Não me lembro de
nada. Não lembro de bater na árvore nem de quebrar os ossos do meu corpo",
diz o soldado, que teve uma filha durante a recuperação . "Eu esperava me
lembrar do sentimento de dor, mas não conseguia. Eu não tinha nenhum
sentimento, e era difícil me importar com qualquer coisa."
Segundo o
soldado, a falta de memória do episódio o fez acreditar que tinha morrido no
acidente. Meses depois, ele foi internado no Headley Court, um hospital no sul
da Inglaterra. Para ele, o local era como "uma sala de espera
fantasmagórica".
"Homens e mulheres
voltavam de zonas de guerra (para o hospital) com ferimentos horríveis e com
histórias de mortes, e eu acreditava que estava em uma espécie de vida após a
morte", conta ele.
Médicos e
enfermeiros perguntavam por que, caso estivesse morto, ele havia escolhido
ficar em um hospital e não em outro lugar. "Eu pensava que era uma
punição", diz Warren.
Ter sofrido
ferimentos no cérebro é uma das condições para o desenvolvimento da síndrome de
Cotard. Outros indutores podem ser depressão severa e esquizofrenia, segundo
Helen Chiu, professor de psiquiatria na Universidade Chinesa de Hong Kong.
A síndrome
também é associada ao Mal de Parkinson, febre tifóide, enxaqueca, esclerose múltipla
e complicações de transplante de coração.
"Além de razões
biológicas, fatores psicológicos e sociais também são relevantes", explica
o professor Chiu. "A personalidade, família, circunstâncias financeiras e
sociais, além de eventos da vida da pessoa vão moldar como serão os delírios
(de morte)", diz.
Essas imagens
podem durar semanas ou mesmo anos. Apesar da síndrome afetar pessoas mais
velhas, há registros de casos em adolescentes e crianças.
Não há causas
únicas da síndrome de Cotard, no entanto. Muitos dos estudos científicos sobre
a doença são baseados em casos individuais, devido à sua natureza rara.
Segundo estudo de 2010,
liderado por Jesús Ramírez-Bermúdez, do Instituto Nacional de Neurologia e
Neurocirurgia do México, a síndrome de Cotard pode ser um resultado de dois
fatores combinados: pacientes que sofreram acidentes traumáticos, como o caso
de Warren, podem desenvolver um sentimento de vazio.
Essa
sensação, combinada com a perda de habilidade de acreditar em algo e o
sentimento de culpa, pode resultar na Cotard, segundo o estudo.
Warren diz que
encontrar outro portador da síndrome o ajudou a se recuperar. Depois de voltar
para a casa de sua família, ele começou a melhorar.
"É um
pouco inadequado dizer isso, mas hoje dou risada quando penso sobre o que
aconteceu", diz.