Bbc Brasil // Manuella Saragosa
No livro Ardil
22, o autor, Joseph Heller, escreveu: "Alguns homens nascem medíocres,
outros conquistam a mediocridade e alguns homens têm a mediocridade imposta a
eles".
Heller pegou uma
frase de Shakespeare a respeito da grandeza e a inverteu totalmente.
A ideia do autor
é clara: a mediocridade é ruim e deve ser evitada. No entanto, a maioria das
pessoas vive o que pode ser chamada de uma vida comum. O que nos leva à
pergunta: o que há de errado em aceitar a mediocridade?
O assunto se
transformou em pesquisa para dois acadêmicos italianos, Gloria Origgi,
pesquisadora e filósofa no Instituto Jean Nicod, em Paris, e Diego Gambetta,
professor de sociologia na Universidade de Oxford, Grã-Bretanha.
'Kakonomia'
Origgi
e Gambetta se conhecem há mais de dez anos e trocam ideias sobre suas
experiências vivendo e estudando no exterior.
Sua
pesquisa nasceu de observar como a vida funciona de forma diferente na Itália
em relação a, por exemplo, França e o Reino Unido.
Nos congressos e
seminários de que participavam na Itália, o dobro ou apenas metade das pessoas
previstas apareciam nos eventos; a equipe designada para fazer as palestras
também sempre era metade ou o dobro do previsto. Assim como o tempo previsto
para as palestras.
As pessoas não
apareciam para as reuniões ou apareciam sem serem anunciadas, mensagens eram
perdidas e reembolsos eram atrasados, pagos em valores menores que o combinado
ou até esquecidos.
Os dois decidiram investigar além de suas próprias
experiências. Assim nasceu o seu estudo pela Universidade de Oxford sobre o que
chamam de "kakonomia". "Kakos" é a palavra em grego antigo
que significa "mau", "ruim".
A
premissa era simples: às vezes os indivíduos conspiram, conscientemente ou não,
para alcançar o menor resultado possível. O mais medíocre.
'Tirania da excelência'
A
busca pelo resultado mais medíocre possível parece ter a ver com um número cada
vez maior de pessoas rejeitando o que é percebido como uma tirania da
excelência.
"Às
vezes, toda essa retórica sobre eficiência simplesmente é insuportável. Às
vezes as pessoas gostam de poder relaxar", explicou Origgi.
Talvez
isso explique a tentação da dolce
vita italiana
- um estilo de vida mais sossegado. Por outro lado, la dolce vita tem um preço - o sacrifício de padrões de
qualidade superiores, dizem os pesquisadores.
Origgi e Gambetta citam o exemplo de um fabricante de
azeite italiano chamado Leonardo Marseglia, que foi acusado de fraude na década
de 1990 por vender azeite comum com rótulo de extra virgem.
Mesmo
na Itália, o azeite extra virgem é caro. Marseglia, que foi absolvido, se
justificou dizendo que graças ao seu azeite adulterado, muitas pessoas puderam
comprar o produto com o rótulo extra virgem a um preço razoável.
Em
entrevista à revista New
Yorker, ele acrescentou
que, em casa, usava azeite comum. "Para nós o conceito de 'bom' já é o
bastante. Queremos ficar na média."
Sinceridade
Krista
O'Reilly Davi-Digui, que mora no Canadá com o marido e três filhos, fala com
sinceridade sobre sua mediocridade.
"Quando
falo que sou medíocre, é porque eu sou", diz a autora, que escreve sobre o
tema em seu blog.
"Adoro
aprender, mas não sou a pessoa mais inteligente. Gosto de escrever, mas isso
não significa que seja a melhor escritora. Sou apenas meio que normal."
Davi-Digui abandonou a faculdade, onde estudava
pedagogia, depois de sofrer com ansiedade e depressão. Hoje ela é nutricionista
holística e "educadora para uma vida com alegria".
"As
mensagens (que recebemos) são sempre para fazer mais, para ser mais, para
sacrificar o sono por causa da produtividade, que maior é melhor, pressa,
pressa, pressa... Isso acaba comigo", diz.
"Acho
que não é vida, não quero isso e não consigo nem começar a acompanhar (esse
ritmo). Tantos querem sair do carrossel e apenas respirar."
Redes sociais
Para
alguns, o trabalho duro vai compensar. Mas se isso não acontecer? E se todo
aquele trabalho for só um desperdício?
Mark
Manson é um blogueiro que escreve sobre desenvolvimento pessoal. Ele recebe
milhares de e-mails e, recentemente, notou que muitas pessoas pediam conselhos
sobre coisas que não podiam ser consideradas problemas.
Essas
pessoas estavam preocupadas com o que poderiam alcançar na vida, preocupadas
com a possibilidade de não se destacarem na profissão que escolheram.
"O
fato é que elas conquistam os mesmos 99% que todos nós", pondera
Manson.
Manson argumenta que o problema é piorado pelas redes
sociais: somos constantemente expostos aos melhores momentos das vidas das
pessoas e isso faz com que acreditemos que não estamos aproveitando nosso tempo
da melhor maneira possível.
"Como
objetivo, a mediocridade é uma droga... como resultado, tudo bem", afirma
o blogueiro.
A
conclusão de Manson é parecida com a do estudo de Gloria Origgi e Diego
Gambetta.
Origgi
lembra da experiência de um amigo americano que estava reformando uma casa na
Itália. Os pedreiros locais nunca entregavam nada no prazo mas também não
esperavam o pagamento em dia, então os dois lados saíam ganhando.
O
único problema é que a reforma nunca foi terminada - desfecho provavelmente
diferente do esperado pelo amigo americano.
Mas
o resultado apontou para o "acordo" subjacente nesse tipo de
situação: desistir de atingir padrões mais altos para, em troca, ganhar
flexibilidade e uma vida mais fácil e sossegada.
Acima da média
Voltando a
Krista O'Reilly Davi-Digui. Ela mora em uma cidade pequena, de cerca de 10 mil
habitantes, na província de Alberta, no Canadá.
Um lugar bonito,
mas não totalmente isolado, com belos lagos que refletem as florestas e o céu
azul.
A autora viajou
pela África, Europa e outras partes do Canadá. O marido é do oeste da África e
ela aprendeu sozinha outro idioma.
Tudo isso pode
parecer muito acima da média.
"Depende de
com quem você está me comparando", responde a autora entre risos.
Melhor dizendo:
depende de com quem ela se comparar.