A Páscoa chegou mais cedo em 2016 para os fiéis das
igrejas cristãs ocidentais, no dia 27 de março, e mais tarde para as igrejas
orientais, no dia 1º de maio. Mas por que não há uma data fixa para a Páscoa?
Segundo afirmava Venerable Bede, religioso inglês que
viveu no século 7, a Páscoa se dá no primeiro domingo depois da primeira lua
cheia após o equinócio da primavera no hemisfério norte (20 de março, em 2016).
"A astronomia está no coração do estabelecimento da
data para a Páscoa. (A data) depende de dois fatos astronômicos - o equinócio
da primavera e a lua cheia", disse Marek Kukula, astronômo no Observatório
Real de Greenwich, em Londres.
A Páscoa é um "feriado móvel" e o de 2016 é o
que ocorre mais cedo em quase uma década.
E isso se dá graças ao sistema complexo que foi
desenvolvido para tentar calcular a Páscoa (e a Páscoa Judaica) a partir do
céu, acomodando calendários diferentes.
A data mais frequente para a Páscoa nas igrejas
ocidentais tem sido 19 de abril, mas o evento já chegou a cair até em 25 de
abril.
O nosso calendário não combina exatamente com os ciclos
astronômicos.
"Durante milhares de anos vêm sendo feitos cálculos
e ajustes na tentativa de coincidir os calendários artificiais com a
astronomia. Mas, exatamente pela falta de uma combinação precisa entre eles,
são necessários cálculos complexos para se determinar o dia exato do equinócio
e da lua cheia", acrescentou Kukula.
Apesar da famosa briga da Igreja Católica com Galileu, em
1633, por divergências em relação aos estudos de astronomia do físico, os
religiosos sempre souberam que era preciso calcular as datas para a Páscoa e os
dias santos - e que para isso era necessário recorrer ao estudo dos astros.
Com ese objetivo, a Igreja Católica construiu seu
primeiro observatório em 1774.
Mistura
O complicado sistema de determinação da data da Páscoa é
resultado da combinação de calendários, práticas culturais e tradições
hebraicas, romanas e egípcias.
O calendário egípcio era baseado no Sol, prática adotada
primeiramente pelos romanos e posteriormente incorporada pela cultura cristã. O
judaísmo baseia o calendário hebraico parcialmente na Lua, e o islamismo também
utiliza fases da Lua.
A data da Páscoa varia não somente pela tentativa de
harmonizar os calendários lunares e solares, mas também há outras complicações
que acabam interferindo, como o fato de diferentes vertentes do cristianismo
usarem fórmulas distintas em seus cálculos.
Em 1582, foi criado o Calendário Gregoriano, adotado e
promovido pelo papa Gregório para fazer com que a Páscoa caísse mais cedo e
fosse mais fácil de ser calculada. Esse é o calendário que usamos até hoje.
Segundo a Bíblia, a morte e ressurreição de Jesus, os
eventos celebrados pela Páscoa, ocorreram na época da Páscoa Judaica.
A Páscoa Judaica era celebrada na primeira lua cheia
depois do equinócio da primavera no hemisfério norte.
Mas isso levou os cristãos a celebrar a Páscoa em
diferentes datas. No fim do século 2, algumas igrejas celebravam a Páscoa junto
com a Páscoa Judaica, enquanto outras marcavam a data no domingo seguinte.
No ano 325 a data da Páscoa foi unificada graças ao
Concílio de Nicéia.
A Páscoa passaria a ser no primeiro domingo depois da
primeira lua cheia que ocorresse após o equinócio da primavera (ou na mesma
data, caso a lua cheia e o equinócio ocorressem no mesmo dia).
Domingos diferentes
Mesmo assim, tradições e culturas diferentes continuaram
fazendo cálculos distintos para a data.
Um exemplo se deu na Inglaterra, no ano de 664. No reino
de Northumbria, o rei Oswiu e sua esposa celebravam a Páscoa em domingos
diferentes. O rei observava a tradição irlandesa e a rainha, a romana. Ela era
originária de uma parte do reino que tinha sido evangelizada segundo as
tradições romanas, enquanto a cidade natal do rei Oswiu seguia a tradição
irlandesa.
Em consequência, um certo ano o rei celebrou a Páscoa em
um domingo, mas a rainha ainda estava no período da quaresma.
Para acertar a data, o rei convocou um sínodo (assembleia
de religiosos) na cidade de Whitby.
Na defesa da tradição irlandesa estava o bispo Colman de
Lindisfarne. São Wilfrid, um nativo de Northumbria treinado em Roma, defendeu a
tradição romana.
"Em um ponto crucial do debate ele mencionou São
Pedro, o guardião das chaves do paraíso, que as recebeu do próprio Cristo. E o
rei Oswiu, que presidia o sínodo, ficou muito impressionado", disse
Michael Carter, membro do Patrimônio Histórico Inglês.
Com isso a decisão foi tomada a favor da tradição romana.
"O Sínodo de Whitby garantiu que a Igreja na
Inglaterra passasse a adotar a prática ocidental padrão. Isso significou a
unificação da celebração do mais importante evento do calendário cristão pela
igreja inglesa, o dia da ressurreição de Cristo. Isso persistiu no país (...)
até a Reforma Anglicana, quando a Inglaterra rompeu com o padrão religioso e
cultural da Europa", acrescentou Carter.
Ortodoxos
As tradições ortodoxas dentro do cristianismo continuaram
usando o Calendário Juliano em vez de aceitar a reforma do calendário imposta
pelo papa Gregório.
As igrejas ortodoxas, portanto, continuaram a celebrar a
Páscoa e o Natal em datas diferentes das tradições ocidentais ou romanas.
Mas isso pode mudar? O papa Tawadros 2º de Alexandria, líder
da Igreja Ortodoxa Copta, espera que as diferentes vertentes do cristianismo
consigam chegar a um acordo sobre essa importante questão.
Pouco depois de reunir-se com ele, Justin Welby,
arcebispo da Cantuária (o equivalente ao papa para a Igreja Anglicana),
divulgou uma notícia surpreendente em janeiro deste ano: depois de muitos
séculos de desacordo, surgiram novas esperanças de que a data da Páscoa possa
ser uma data que todos os cristãos celebrem juntos.
"Durante nossa visita ao Vaticano, em 2013, o papa
Tawadros falou novamente sobre o tema com o papa Francisco em Roma", disse
o bispo Angaelos, bispo geral da Igreja Ortodoxa Copta na Grã-Bretanha.
"Parece haver uma disposição entre parte das
lideranças da Igreja Cristã para pelo menos avaliar esta possiblidade."
No entanto, ele admite que o caminho parece ser longo.
"A dificuldade é que todos precisam sacrificar algo,
pois cada um de nós tem o seu próprio jeito de calcular a Páscoa e calculamos
assim por séculos", disse.
Ainda não há um cronograma e o bispo Angaelos afirma que
a "tarefa é monumental".
"Estamos falando a respeito com muita gente, muitas
culturas diferentes, igrejas diferentes e líderes religiosos diferentes. Será
uma tarefa monumental. Mas a ideia está lá."
E o que os astrônomos acham de uma Páscoa unificada?
"De certo modo, a astronomia ficaria fora da
equação", disse Marek Kukula.
"Ainda seria necessário regular o calendário – você
ainda precisaria ter anos bissextos e ajustar segundos – mas a Páscoa deixaria
de ser um feriado móvel e isto tornaria bem mais simples coisas como o
planejamento de feriados escolares. Entretanto, se as pessoas vão querer fazer
isso ou não passa por uma questão religiosa."
E, levando em conta toda a história por trás da data, o
debate sobre a questão ainda poderá se estender por muito tempo. BBC Brasil