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Opinião
24/02/2022 00:00:00

Tensão entre Rússia e Ucrânia é barril de pólvora prestes a explodir. E nós com isso?


Tensão entre Rússia e Ucrânia é barril de pólvora prestes a explodir. E nós com isso?

Michel Piconelli

Enquanto escrevo, líderes globais sapateiam, numa dança confusa, sobre um barril de pólvora instalada na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.

O presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu a independência das repúblicas separatistas do país vizinho e anunciou o envio de tropas para a região. É o início da invasão ensaiada há dias por Moscou, nas palavras do líder norte-americano Joe Biden.

Desde a Guerra Fria não se via tanta hostilidade por parte das nações que passaram boa parte do século passado medindo forças. Eram tempos de guerra improvável e de paz impossível, como definiu o filósofo francês Raymond Aron.

Para conter o belicismo de Moscou, EUA e União Europeia instituíram sanções econômicas contra o país. Joe Biden prometeu medidas para impedir transações financeiras com os russos –incluindo bancos e grandes empresários. Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão, congelou a certificação de um gasoduto entre os dois países. A obra dobraria o fornecimento de gás natural para a Rússia.

Putin sabia dos riscos caso avançasse suas peças no tabuleiro em direção à Ucrânia.

Os líderes dos dois países vivem em pé de guerra desde que avançaram as negociações para a entrada de Kiev na Otan, a organização militar ocidental criada justamente para manter os russos no cercadinho.

A presença da Ucrânia no bloco das potências ocidentais era um desejo manifestado desde a campanha do presidente Volodymyr Zelensky. Não deixa de ser trágico que a Ucrânia seja liderada neste momento por um ator e comediante que chegou à presidência do país pelos mesmos caminhos tomados pelo professor interpretado por ele na série “Servo do Povo”: um acidente. Zelensky, herdeiro do sentimento antipolítica em seu país, nunca havia ocupado cargo público antes, embora fosse um ativo defensor das mobilizações anti-Rússia de seu território. Não poderia ser mais despreparado para o momento.

Diante da ofensiva russa, com quem o ex-comediante promete cortar as relações de vez, não coube outra alternativa a não ser convocar reservistas.

A movimentação dos coturnos coloca em xeque as ferramentas diplomáticas que desativaram as minas terrestres espalhadas pela Europa ao longo do último século. Putin ameaça, Biden revida, a Europa acompanha, a Ucrânia se arma. Quem acender um cigarro ali corre o risco de mandar tudo para os ares –como fez o arquiduque Francisco Ferdinando em sua atrapalhada e fatal visita a uma Sarajevo encharcada de ódio e pólvora em 1914. Seu assassinato foi o estopim para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

São incertos os efeitos das sanções contra Putin dessa vez. Além de reservas próprias para atravessar o duro inverno que se apresenta, ele tem a leste as costas largas de outro gigante, a China. E, ainda de forma atabalhoada, ouviu de Jair Bolsonaro que nosso país é solidário à Rússia –o que irritou os líderes do outro lado da mesa. Sozinho, de toda forma, ele não está.

Na terça-feira 22, o chefe da embaixada da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, afirmou que a posição de isenção neste momento é só uma forma de endossar a escalada das tensões. “Toda comunidade internacional é responsável pela prevenção do novo conflito”, alertou.

Um recado direto ao presidente brasileiro.

O cenário de guerra transformou o Brasil em rota alternativa a investidores dispostos a tirar dinheiro da região conflagrada antes que a bomba exploda. Aqui o dólar caiu, a Bolsa subiu. Mas ainda é cedo para qualquer prognóstico sobre mercados emergentes.

Como há quase cem anos, as tensões na Europa prometem espalhar destroços para todos os lados. Engana-se quem pensa que estará nessa história como mero espectador, tão distante quanto protegido de qualquer sopapo.

Vai sobrar para todo mundo, mesmo que ninguém saiba ainda qual mundo será forjado ao fim de uma disputa bélica de proporções ainda não mensuradas.

Não bastassem as incontinências internas, sociais, políticas e econômicas, o novo baralho diplomático, tenha o conflito descambado ou não para a guerra de fato, será um desafio extra para Bolsonaro ou o próximo presidente a partir de outubro. Um mundo novamente dividido e/ou conflagrado exigirá novas mediações diplomáticas e interlocuções. A neutralidade, de fato, não será opção. A guerra, talvez, sim.

Como no início do século 20, marcado pela letalidade da gripe espanhola, a tensão entre potências ocorre em meio a uma pandemia. Por aqui, o inimigo viral matou em dois anos mais de 650 mil brasileiros. São quase 6 milhões de vítimas no mundo todo.

À crise sanitária soma-se agora uma crise militar de contornos globais. O século do futuro parece não se dar conta dos ensinamentos do passado nem tão distante.

É como se estivéssemos condenados a não viver em paz.

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