A rápida mudança de atitude - do relaxamento para o bloqueio rígido — ilustra um problema comum na governança chinesa, em que muitas vezes há pouco espaço para nuances, de acordo com o virologista Jin Dongyan, da Universidade de Hong Kong. "O estilo chinês é muito extremo", disse ele à BBC.
Enquanto isso, algumas pessoas ficaram preocupadas sobre se as vacinas chinesas são eficazes contra a variante, depois que autoridades revelaram que muitos dos primeiros casos de Nanjing foram de pessoas completamente vacinadas.
As autoridades de saúde deram garantias públicas, ainda que considerem dar injeções de reforço. Shao Yiming, do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, disse que embora não houvesse vacina que pudesse prevenir a infecção pelo coronavírus, "atualmente [as vacinas] ainda podem controlar todas as variantes do vírus".
A China já administrou mais de 1,7 bilhão de doses de vacina, embora não tenha dito quantas pessoas estão totalmente vacinadas.
Ao contrário de outros países que se abriram após a vacinação em massa, a China não parece disposta a mudar o curso com a forma como reagiu ao último surto, dizem os especialistas.
"Parece haver essa falta de confiança em suas vacinas que justifica a continuação da estratégia", disse o professor Yanzhong Huang, pesquisador sênior de saúde global do Conselho de Relações Exteriores, à BBC.
Um recente editorial do Global Times, publicado pelo Diário do Povo, do Partido Comunista chinês, rejeitou a ideia de uma reabertura ao estilo do Reino Unido, dizendo que era "quase politicamente inconcebível", pois resultaria em "custos sociais e dor inimagináveis". Em vez disso, pediu uma abordagem de "covid zero" com "janelas controláveis" para o mundo exterior.
"Querendo ou não, sempre haverá riscos no futuro", disse ele, acrescentando que, entre outras coisas, a China deve "promover um retorno à vida normal enquanto protege seus cidadãos do medo do vírus".
Pode não ser fácil mudar para o que os especialistas chamam de estratégia de mitigação, que se concentra na redução de mortes em vez de casos.
Um dos maiores desafios para as autoridades, como Zhang pareceu sugerir, é como convencer um público chinês avesso ao risco.
"Eles tiveram uma experiência extremamente traumática ao ver o que aconteceu em Wuhan, onde seus sistemas de saúde ficaram completamente sobrecarregados. Se eles reabrirem, temem que o sistema de saúde chinês não seja capaz de lidar com [outro surto], especialmente nas áreas rurais ", disse o professor Huang.
O professor Jin disse que a forma como a mídia estatal descreveu o vírus também alimentou esse medo, com alguns meios de comunicação "apresentando o surto indiano como se fosse o fim dos dias e a situação no Reino Unido e nos Estados Unidos foi mostrada como infernal".
Há também a questão de perder prestígio.
Os sucessos da política de covid zero permitiram ao governo chinês "alegar que esta abordagem é superior à abordagem ocidental, que está associada ao fracasso geral na contenção do vírus, e até reivindicar a superioridade do sistema político chinês", disse o professor Huang.
"Se eles começarem a abandonar essa política e recorrer à mitigação, eles basicamente estão endossando uma abordagem ocidental que destruíram."
Divisão iminente
Com relativamente poucas mortes desde Wuhan e uma economia em recuperação, alguns na China podem não sentir necessidade de mudar.
Mas uma estratégia de covid zero de longo prazo também tem seus riscos. Os bloqueios em massa afetam as pessoas mais pobres muito mais do que outras, e também afetam a saúde mental da população a longo prazo, apontou Nancy Jecker, professora de bioética da Escola de Medicina da Universidade de Washington.
"Se a China não mudar rápido o suficiente, os efeitos serão mais graves em todos os níveis da sociedade", disse. Ela pediu uma abordagem com mais nuances, como bloqueios mais localizados e priorização de certos grupos, como permitir que escolas permaneçam abertas enquanto academias e restaurantes permanecem fechados.
O professor Huang também alertou sobre um problema de imagem de longo prazo para a China, à medida que outros países se reabrem.
Outros países com política de covid zero, Austrália e Cingapura anunciaram recentemente planos atrelados a taxas de vacinação de 80%.
Eventualmente, o mundo seria dividido em dois tipos de países, disse Jecker: aqueles que continuam a buscar uma estratégia de covid zero e aqueles que mudaram para a mitigação.
"Mas, em última análise, podemos não ter escolha a não ser aceitar - em uma fase pós-pandemia, as mortes diminuirão, mas o vírus pode reaparecer anualmente como o resfriado", disse ela. "Se isso acontecer, a China terá que conviver com isso."
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