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21/04/2018 12:08:00

Confusão entre TV árabe e grupo terrorista após entrevista de senadora é uma aula de Fake News


Confusão entre TV árabe e grupo terrorista após entrevista de senadora é uma aula de Fake News

Por Matheus Pichonelli

O alerta para o quarteirão, o bairro, a cidade e a segurança nacional veio pelo WhatsApp da academia: “olha o que esta débil mental esta (sic) divulgando para os terroristas do Estado Islâmico…pqp cadê a Procuradoria Geral da República??? Cadê o Senado Federal?”.

A mensagem continha o vídeo de uma entrevista da senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, à TV Al-Jazira, do Catar. Chegou na sequência de uma imagem truncada de alguém que parecia ser a parlamentar aos beijos com o ex-presidente Lula. Por fim, um novo vídeo, desta vez com um deputado do PSDB, cujo ex-presidente se tornou réu do Supremo Tribunal Federal nesta semana, condenava a fala da senadora. Tudo em sequência, e com a distância de alguns minutos.

Não vou entrar no mérito nem do discurso nem da réplica. Jogo político é jogo de interposições, e nem sempre os lados distintos querem a mesma coisa. Este jogo prevê o direito de falar o que se quer e de rebater o que se considera “absurdo”, de preferência no mesmo canal.

A encrenca aqui é outra.

Para quem acredita que a polarização da última campanha se encerrou com o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, a queda livre de Aécio Neves e a até aqui inviável caminhada de Geraldo Alckmin à Presidência, a suposta confusão entre uma TV árabe e um grupo terrorista é o melhor alerta do que vem por aí.

A polarização do passado não produziu apenas rusgas no presente, mas também um jogo sujo. Vale também para quem compartilha notícias sobre a falsa filiação do juiz Sergio Moro ao PSDB e outras bobagens.

Há algum tempo abdiquei de entrar em divididas políticas nos meus círculos de relacionamentos pessoais, virtuais ou não. As razões são muitas: não tenho primazia da verdade, não sei onde a verdade está, não é agradável nem producente tentar convencer ou ser convencido por alguém a mudar de ideia. Do outro lado da conversa há sempre o risco de estar um fanático, e não alguém disposto a conversar. É de bom tom não nos tornar um deles.

Mas quem se propõe a ler notícias checadas, e sobretudo trabalhar no ramo das notícia checadas, tem a obrigação de alertar, inclusive nos nada inocentes grupos de WhatsApp, quando o cheiro de Fake News inunda o recinto.

A expressão, já batida, é relativamente nova, mas a estratégia é mais antiga do que a Velha República. Bem mais.

Na Nova República pós-impeachment, de comunicação online e divulgação apressadas de mensagens a reboque das convicções, e não dos fatos, as Fake News se tornaram ferramentas de intervenção e obstrução política. Tem na ignorância de quem não sabe o que compartilha, e na má-fé de quem sabe muito bem, o seu latifúndio mais produtivo.

O discurso da senadora não era novo nem foi replicado pela primeira vez fora do Brasil. O problema, conforme perceberam seus detratores, eram as letras em idioma árabe. Com aquela pitada de má-fé, perceberam ser possível transformar o tsunami de ignorância em medo. Nada mais assustador, afinal, do que a suposta aliança de um partido político com o famigerado Estado Islâmico.

As letras do idioma desconhecido eram o fantasma que motivaram nossa vizinha a deixar as postagens de bom dia, boa tarde, boa noite, além das cotas diárias de piadas preconceituosas, e pintar o rosto para a guerra: uma guerra virtual contra um fantasma que acabava de dar palanque a adversários políticos cujos crimes e pecados não parecem mover as sobrancelhas dos indignados, quiçá as panelas.

Antes que alertasse sobre a confusão do prefixo “Al” da Al-Jazira com Al Qaeda, Al Face, Al Fajor e outros fantasmas em língua árabe, língua portuguesa e culinária argentina, percebi que o buchicho não era monopólio da nossa apavorada vizinha: o assunto estava espalhado em estado de metástase pelas redes e chegara ao Facebook.

 

Foi catapultado, inclusive, por uma senadora governista que, sabendo (ou não saberia?) do terreno onde pisava, associou na tribuna que a entrevista servia para conclamar o “Exército Islâmico” (haja Sic nesta história) a lutar ao lado do ex-presidente Lula.

Pouco depois a Secretaria Penal da Procuradoria Geral da República, provavelmente sem assuntos urgentes a tratar no país da Lava Jato, atendeu ao pedido da nossa vizinha e abriu procedimento para analisar a possibilidade de investigar as declarações da senadora à emissora.

Até o final do dia, poucos haviam aprendido a diferença entre uma TV de língua árabe, um grupo terrorista, o direito de expressão e o direito à réplica nos mesmos termos. Mas todos puderam (quiseram?) aprender, da maneira mais didática, como as Fake News, alvo de todos até se tornarem injustas a seu favor, estão a serviço de interesses de quem vê no medo e na ignorância das redes uma janela escancarada do oportunismo.

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