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Acidente
01/12/2025 04:00:00

Ameaças à segurança das mulheres brasileiras nos EUA aumentam devido às políticas de imigração

O crescimento do medo de deportação tem provocado uma escalada no silêncio e na vulnerabilidade de vítimas de violência doméstica

Ameaças à segurança das mulheres brasileiras nos EUA aumentam devido às políticas de imigração

O clima de insegurança causado pelas políticas de imigração rigorosas nos Estados Unidos tem feito com que muitas brasileiras vítimas de agressões internas evitem procurar ajuda, temendo tanto o agressor quanto a possibilidade de serem deportadas.

Organizações da comunidade relatam uma queda significativa nas denúncias de violência doméstica desde o início da administração de Donald Trump, com vítimas optando por permanecer em silêncio para não arriscar sua permanência ou a de seus filhos no país.

Especialistas destacam que há uma conexão direta entre ambientes de confinamento, o medo coletivo e o aumento da violência doméstica, reforçando a ideia de que o isolamento intensifica esses ciclos de abuso. Muitos desses episódios, inclusive, já tinham começado antes das mudanças nas políticas migratórias, mas a intensificação do medo e do isolamento agora tornam o acesso à justiça e à proteção ainda mais difícil. Roberta Castello Novo, de 42 anos, atualmente residente em Charlotte, Carolina do Norte, relata que sua experiência de violência começou após o casamento com um americano.

Ela conheceu Michael por um aplicativo enquanto morava em São Paulo e, após a mudança para os EUA em março de 2024, enfrentou controle absoluto por parte dele. Quase perdeu a liberdade após uma viagem à Flórida, quando o agressor passou a monitorar suas ações, restringir seus recursos e até demais a alimentação dos filhos.

Entre humilhações e isolamento, Roberta viu seus filhos ficarem assustados e evitar o contato com o pai. Ao procurar ajuda, ela iniciou terapia e contou com o apoio de Luciana Hall, voluntária do HOPE Institute, que atua no combate à violência doméstica. Em dezembro de 2024, ela fugiu com os filhos após uma noite de neve, com suporte da organização.

Dias depois, descobriu que seu ex-marido buscava novas parceiras brasileiras por aplicativos de relacionamento. Enfrentando dívidas e dificuldades na escola dos pequenos, Roberta conseguiu uma ordem de proteção, recomeçando sua vida praticamente do zero, com apoio de voluntárias que ajudaram a mobiliar seu novo lar. Atualmente, ela possui uma empresa de limpeza e usa sua história para orientar outras mulheres, atuando como voluntária na mesma organização.

Outro caso citado é o de Ana*, que reside nos EUA há anos e sofre com violência, medo e desamparo contínuos, mesmo após a separação do agressor, pai de sua filha. Diagnosticado com esquizofrenia, bipolaridade e atraso mental, ele já foi preso por violência doméstica no país e é procurado no Brasil.

Ana relata que, na recente audiência de custódia, pode ser obrigada a deixar sua filha sob os cuidados do ex-companheiro, que já tentou enforcá-la várias vezes e quase agrediu uma criança em um parque. Ela descobriu, só recentemente, que seu agressor é procurado na Justiça brasileira e que sua situação se agravou ao ser incentivada a vir grávida para os EUA, com promessas de retorno que não se concretizaram. Após anos de luta, Ana conseguiu se separar, mas o ciclo de violência persistiu.

Mesmo com uma ordem judicial que impede o agressor de levar a filha do condado de Broward, ele a levou para outra cidade, e ela ainda paga altos custos a uma advogada, vivendo uma angústia constante. Ela se apega à esperança de um milagre, enquanto busca alternativas legais para proteção. Casos de violência também são relatados por Mariana Krasch, que vive em Utah há quase uma década.

Depois de um relacionamento com um americano que se mostrou extremamente controlador, ela enfrentou episódios de ameaça e controle, incluindo uma tentativa de trancar sua filha de três anos em um quarto escuro. Após descobrir que seu casamento durou apenas quatro meses, Mariana conseguiu fugir com as crianças, procurando proteção na polícia e iniciando um processo de reconstrução, apoiada por sua rede de contatos e pelo apoio psicológico contínuo.

Hoje, Mariana é proprietária de uma empresa e mantém uma relação estável com seu marido colombiano. Apesar disso, ela enfrenta desafios, como a psicose de seu filho mais velho, que necessita de internação, e cogita solicitar a cidadania americana em 2027 ou retornar ao Brasil devido à instabilidade político-econômica.

Ela enfatiza a importância de denunciar abusos, especialmente ao perceber que muitas mulheres evitam buscar ajuda por medo de deportação ou perda da guarda. A política de deportação tem criado uma atmosfera de temor, levando muitas brasileiras a evitar hospitais, tribunais e abrigos, mesmo em situações de grave risco. Especialistas apontam que essa sensação de perseguição migratória, aliada ao confinamento social intensificado pela pandemia, intensificou ainda mais o silêncio que cerca a violência doméstica.

Rodrigo Godoi, diretor da ONG Mantena Global Care, observa que há uma relação direta entre ambientes de medo coletivo e o crescimento de abusos físicos e emocionais, que muitas vezes passam despercebidos. Dados de 2024 indicam que o consulado brasileiro nos EUA registrou 397 casos de violência contra brasileiras durante o ano, enquanto as estatísticas de 2025 ainda estão sendo confirmadas.

Entretanto, há uma queda na procura por ajuda, justamente quando o aumento de violência se torna evidente. Advogadas como Fernanda Bueno explicam que o temor de denunciar, por receio de deportação, levou muitas vítimas a desistir de registros formais, especialmente em casos que envolvem vistos de proteção, como o visto U, que exige boletim de ocorrência. Fernanda destaca que o medo se expandiu, não se limitando à ameaça direta do agressor, mas incluindo preocupações relacionadas à polícia, ao ICE, à guarda dos filhos e à possibilidade de deportação. Como alternativa, ela indica a Lei de Violência contra Mulheres (VAWA), que permite a regularização migratória de vítimas de abuso sem necessidade de boletim de ocorrência e de forma sigilosa, mesmo enquanto convivem com o agressor.

Essa legislação tem sido uma saída crucial, sobretudo para casos de abuso psicológico e controle extremo. O ambiente de insegurança também impacta organizações brasileiras que atuam na linha de frente. O HOPE Institute, criado em 2024 pela brasileira Luciana Hall, registra aumento nas denúncias, embora o silêncio seja cada vez maior.

Valéria Emele, voluntária na organização, reforça que a língua é uma barreira: quando mulheres brasileiras chegam a centros de apoio e não encontram atendimento na língua materna, sua confiança diminui, dificultando o processo de ajuda. A entidade planeja abrir um espaço físico com suporte jurídico e atividades de fortalecimento até 2026, dependente de financiamentos.

Na Flórida, a ativista Rose Newell indica que a quantidade de mulheres buscando auxílio caiu drasticamente em 2024, após anos de atendimento contínuo. Ela reforça a urgência de combater o medo, que impede muitas vítimas de buscar proteção, mesmo com a certeza de que a lei oferece recursos de salvamento.

Além disso, escolas têm demonstrado resistência em reportar casos suspeitos, devido a mudanças políticas e a dificuldades em trâmites burocráticos, agravando a situação. Apesar de toda essa crise, iniciativas comunitárias continuam surgindo. Em Nova York, em novembro de 2024, o coletivo Entre Fronteiras lançou a campanha 'Justiça e Dignidade para Brasileiras no Exterior', reunindo profissionais de diversas áreas para fortalecer redes de apoio, disseminar informações e combater o silêncio que isola vítimas brasileiras de violência.