01/12/2025 12:32:32

Acidente
30/11/2025 06:00:00

Lições do Uruguai: Como uma abordagem sustentável pode salvar o planeta

Especialistas destacam o impacto das políticas ecológicas uruguaias e o que o resto do mundo pode aprender com elas

Lições do Uruguai: Como uma abordagem sustentável pode salvar o planeta

Enquanto as mudanças climáticas representam apenas sintomas de um problema maior, a causa fundamental está na exploração excessiva dos recursos naturais, afirma o engenheiro suíço Mathis Wackernagel em entrevista à BBC News Mundo.

Reconhecido por desenvolver o conceito de pegada ecológica ao lado do canadense William Rees na década de 1990, Wackernagel recebeu diversos prêmios internacionais por criar métodos de mensuração do impacto humano sobre o planeta.

Segundo ele, a principal questão é o consumo desproporcional de recursos em relação à capacidade de regeneração do planeta. Atualmente, sua análise revela que a humanidade utiliza recursos a uma velocidade 1,8 vezes maior do que a capacidade de reposição da Terra, equivalente a viver como se fossem necessários quase dois planetas para sustentar o modo de vida atual.

Ele lidera a organização Global Footprint Network, uma equipe de especialistas que desenvolve ferramentas voltadas para a sustentabilidade. A origem de problemas como o acúmulo de gases do efeito estufa, desmatamento e perda da biodiversidade, segundo Wackernagel, está na superexploração do meio ambiente.

O engenheiro enfatiza que o recurso mais valioso do planeta não são minerais raros, mas a capacidade de regeneração natural, que produz alimentos, madeira e fibras essenciais. "Sem a natureza, o funcionamento de tudo está comprometido." Diante do declínio na capacidade de regeneração, ele aponta que a adoção de escolhas mais sustentáveis é possível e necessária.

O Uruguai, por exemplo, oferece lições preciosas para o mundo, destacou Wackernagel. A avaliação do impacto ecológico de diferentes países é feita através do cálculo do Dia de Sobrecarga, uma data que indica quando a demanda anual da humanidade supera a capacidade de regeneração do planeta naquele ano.

Em 2025, essa data foi atingida em 24 de julho, mostrando que, até aquele dia, consumimos tudo o que a Terra consegue produzir em um ciclo de 12 meses. Isso implica que, desde o dia seguinte, estamos esgotando créditos ambientais, deixando dívidas ecológicas que resultam em maior emissão de CO?, desflorestamento, degradação do solo e redução na disponibilidade de água subterrânea.

Atualmente, a humanidade está consumindo recursos na taxa de 1,8 planetas Terra, um nível insustentável. Para frear essa trajetória, Wackernagel alerta que o limite físico de exploração não pode ser ultrapassado indefinidamente. Se essa sobrecarga continuar, o planeta entrará em crise ecológica definitiva, seja por exaustão de recursos ou por falhas no equilíbrio natural causadas por pressões externas. Ele propõe o conceito de Dias de Sobrecarga por País, uma ferramenta que avalia quanto cada nação contribuiria para o esgotamento global se seus habitantes vivessem como os seus residentes.

Países como Catar e Emirados Árabes Unidos, por exemplo, atingiriam o limite em 6 de fevereiro de 2025, enquanto o Brasil, se adotasse o estilo de vida de seus habitantes, atingiria essa marca em 1º de agosto. Dentre os 80 países considerados na análise, o Uruguai se destaca por manter um padrão de consumo muito mais sustentável, com a data de excedente ecológico prevista para 17 de dezembro de 2025, caso toda a população mundial adotasse seus hábitos.

Wackernagel esclarece que esses cálculos não incluem países com dados insuficientes ou com níveis de pobreza elevados, como Bangladesh, onde o consumo não geraria déficit ecológico devido à baixa demanda. Ele também reconhece que o Uruguai ainda precisa avançar na descarbonização de setores como transporte, que depende fortemente de combustíveis fósseis.

Apesar disso, o especialista acredita que, se o mundo inteiro seguisse o exemplo uruguaio, o planeta conseguiria adiar ainda mais o ponto de ruptura ecológica. Destaca, especialmente, o sucesso do país na substituição de sua matriz energética por fontes renováveis, que passou de 50% de energia fóssil em 2008 para 99,1% atualmente.

A transformação na matriz energética uruguaia se deu por uma combinação de fatores, explica o ex-diretor de energia do país, Ramón Méndez Galain. Entre eles, a assinatura de um acordo bipartidário em 2010 que garantiu a transição para fontes renováveis ao longo de 25 anos, apoiada por investimentos públicos e privados de aproximadamente US$ 6 bilhões, equivalente a 12% do PIB na época. O envolvimento do setor privado foi fundamental, especialmente na construção de parques eólicos, enquanto o governo garantiu a compra de toda a energia produzida por contratos de 20 anos.

Além das vantagens econômicas, a mudança promoveu a geração de 50 mil empregos e permitiu ao Uruguai exportar eletricidade, fortalecendo sua economia. Graças a essa estratégia, as tarifas caíram cerca de 20%, e o país adquiriu maior autonomia energética, tornando sua matriz menos vulnerável a eventos políticos internacionais, como a guerra na Ucrânia. Inspirado pelo êxito, Méndez Galain criou a organização Ivy, que apoia outros países latino-americanos em suas transições ecológicas.

Para ele, o caso uruguaio demonstra que esse modelo pode ser replicado mundialmente, independentemente das características específicas de cada nação. Wackernagel reforça que, diante do cenário global, estamos vivendo uma época onde os recursos físicos são o principal limitador do desenvolvimento, com a biocapacidade atuando como a "mãe de todos os recursos".

Ele explica que a energia fóssil não é apenas limitada pelas jazidas disponíveis, mas principalmente pela capacidade do ecossistema de absorver gases de efeito estufa. Assim, aumentar a capacidade de absorção, como plantando árvores, reduz o espaço para produção de alimentos, criando uma competição por terras produtivas. O especialista ressalta que a América do Sul possui uma abundância de recursos ecológicos em relação à sua população, sendo uma região de grande potencial. Contudo, a valorização econômica da biocapacidade ainda é insuficiente devido a uma grande falha de mercado, que não atribui preços adequados a esses recursos.

Ele sugere que se aumentassem os custos de exploração, a demanda se ajustaria a um nível mais sustentável para o planeta. Wackernagel alerta que o futuro depende de ações locais e de escolhas conscientes, pois o modelo atual de economia e consumo continua a pagar o presente com o futuro, com base em um esquema de pirâmide que apropria-se dos recursos do planeta. Por fim, ele conclui que a humanidade deve estabelecer uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente, priorizando soluções locais que possam inspirar mudanças globais, pois sem uma transformação nesse sentido, o futuro será inseguro ou inexistente.