O atacante colombiano Edgar Medrano, de 31 anos, pai de três crianças que nasceram curiosamente em dias 13 de diferentes meses, sempre teve uma ligação pessoal com esse número. Ele afirma que gosta da coincidência e, desde que chegou ao Club Deportivo FAS em janeiro de 2025, passou a usar a camisa 13, algo que teria sido impossível apenas quatro anos antes, quando as gangues Mara Salvatrucha (MS-13) e Barrio 18 ainda ditavam o medo no país e baniram silenciosamente esses algarismos dos uniformes de praticamente todos os times salvadorenhos.
O 13 da MS-13 e o 18 do Barrio 18 eram símbolos tão associados ao crime organizado que carregá-los nas costas poderia parecer provocação. Durante quase uma década, técnicos evitavam distribuí-los, jogadores recusavam recebê-los e clubes inteiros simplesmente retiraram ambos do catálogo de numeração. Mas a mudança no cenário de segurança alterou lentamente esse tabu, permitindo que o futebol reproduzisse a nova fase do país.
No início da noite de 11 de outubro, no Estádio Óscar Alberto Quiteño, em Santa Ana, Medrano aguardava para entrar em campo contra o Municipal Limeño sem qualquer tensão ao carregar o número antes temido. Ele admite que, vindo da Colômbia, desconhecia a proibição, mas percebeu que El Salvador havia se tornado um lugar mais seguro e decidiu pedir a camisa que homenageia seus filhos. Em equipes anteriores, como o Águila, vestira o 20 porque ainda não havia ambiente para reivindicar a combinação que tanto queria.
O regime de exceção decretado pelo presidente Nayib Bukele em março de 2022 marcou o divisor de águas. Naquele momento, nenhum time da Primeira Divisão ousava exibir os números ligados às gangues. Agora, FAS, Fuerte San Francisco e CD Hércules voltam a incluí-los, ainda que timidamente, refletindo a queda brusca dos índices de violência. Um país que já chegou à taxa de homicídios mais alta do planeta agora convive com um índice inferior a dois por 100 mil habitantes.
Paúl Guzmán, presidente do Fuerte San Francisco, recorda que, tempos atrás, usar 13 ou 18 podia gerar represálias de uma gangue contra a outra, colocando jogadores e clubes em risco. No entanto, jogadores estrangeiros como o argentino Cristian Belucci, recém-chegado, tratam a escolha de números com naturalidade. Ele escolheu o 18 por razões pessoais — o aniversário do pai — sem imaginar sua antiga conotação perigosa. Hoje se sente seguro em San Miguel e afirma que o país vive um momento para “virar a página”.
No Estádio Quiteño, o locutor anuncia Medrano com a camisa 13, e a torcida reage com normalidade. Com cerca de 2,5 mil presentes, o público foca no jogo e canta apoio à equipe. Jaime Alfaro, conhecido como Payino, de 79 anos, que dedicou grande parte da vida ao clube, lembra que o último jogador a usar o 13 antes do retorno atual havia sido o ídolo Juan Carlos Moscoso. Depois dele, ninguém se arriscou por anos, até que o clima mudou. Moscoso, símbolo da primeira década dos anos 2000, revela que, ao se transferir para a Universidad de El Salvador, em 2015, sequer lhe permitiram continuar com o número.
O FAS abre o placar com um chute forte de José Guevara ainda no primeiro tempo. Os gandulas, jovens das categorias de base, comemoram ao lado dos jogadores. Entre eles, adolescentes como Gerson Portales e Óscar Menéndez contam que cresceram em bairros dominados por gangues e que, por muito tempo, simplesmente sabiam que 13 e 18 eram proibidos, sem nem precisar perguntar. A recusa a esses algarismos era tão automática que se tornou parte do cotidiano do futebol local.
A rejeição aos números começou nas categorias menores e no futebol regional ainda em 2011, até se espalhar pela elite em poucos anos. A história chamou atenção mundial em 2016, quando o uruguaio Sebastián “Loco” Abreu chegou ao Santa Tecla, pretendia usar sua tradicional camisa 13 e acabou orientado a trocar para a 22 por motivos de segurança.
A mudança recente ganhou força quando Alex “el Cacho” Larín, jogador da seleção, decidiu usar a 13 no Alianza FC em 2023. A atitude repercutiu tanto que foi mencionada pelo próprio presidente Bukele. Desde então, Larín manteve o número em vários clubes e encorajou outros atletas a seguir o exemplo, defendendo que a nova realidade de segurança permite ressignificar o que antes era temido.
Entre torcedores tradicionais do FAS, como Luis Mario Moreno, de 64 anos, há alívio com a nova rotina. Ele diz que agora saem dos jogos sem medo, inclusive à noite, algo impensável antes. Ainda assim, nove clubes da elite resistem a usar as camisas “malditas”. Moreno acredita que a recusa persiste por ser tudo “muito recente” e porque, durante anos, as gangues exerceram controle direto em muitos bairros próximos aos estádios.
Outro torcedor histórico, Luis Ramírez, que vive na Flórida e tenta acompanhar o time sempre que visita El Salvador, lembra como, após o título de 2009, a torcida evitava pronunciar “18ª conquista” e preferia dizer “17+1”, tamanho era o medo do número associado à gangue rival. Ele comenta isso enquanto acompanha a cobrança de pênalti que empata a partida para o Municipal Limeño.
Ramírez reconhece que Bukele resolveu o problema da segurança, embora o método tenha provocado críticas. A política resultou em mais de 85 mil prisões desde 2022, com julgamentos em massa e denúncias de violação de direitos. Investigações jornalísticas sugerem que o governo teria negociado com as gangues antes da ofensiva, algo negado pelo presidente.
Mesmo assim, a sensação de normalidade se espalha. O Instituto Salvadorenho dos Esportes afirma acompanhar com satisfação o rompimento de antigos estigmas, apesar de a maioria dos clubes ainda evitar os números polêmicos por cautela.
O uso de 13 e 18, portanto, vai deixando de ser tabu, mas ainda avança com prudência. Para muitos torcedores, será preciso mais algum tempo para que as lembranças da violência finalmente desapareçam das arquibancadas e dos gramados. Contudo, a simples presença dessas camisas nos ombros de jogadores como Medrano já simboliza o quanto El Salvador tenta reconstruir sua identidade — dentro e fora do campo.